Em pequena fui protectora das minorias, dos mal-tratados e dos ofendidos. Costumava juntar-me à mais gorda ou mais feia da turma, aquela menina com quem toda a gente gozava e com quem ninguém gostava de ser visto. Tratava melhor os que eram desprezados e tinha uma atenção especial para com quem levava mais reguadas. Ainda sou um bocado assim, porém não tanto, porque as pessoas que eu considerava minorias me foram mostrando tantos lados das suas personalidades que deixei de as ver apenas como mal-tratadas, ofendidas e carentes de protecção. Percebi, ao longo dos anos, que somos muito mais do que aquilo que aparentamos. E ainda bem, digo-o hoje.
Olhando para trás, penso que talvez o fizesse por pena de as pessoas não terem as mesmas atenções que os outros, ditos populares, e como que para compensar os males que lhes faziam.
Olhando depois para dentro de mim, penso que também agia daquela forma para desviar os olhares das minhas próprias fragilidades. Se eu protegesse outros, sentir-me-ia mais forte e conseguiria enxergar-me com mais carinho. No fundo, acabava por me sentir melhor num meio onde existia gente teoricamente mais fraca. Parece cruel, e talvez seja um pouco, mas em pequena não tinha ainda a capacidade de perceber isto.
Hoje, faço várias vezes este exercício, o de olhar para dentro. Nem tudo o que vejo gosto. Vejo muitas coisas de que não gosto mesmo nada, algumas detesto. Tento, umas vezes com sucesso, outras nem tanto, mudar aquilo que me revolta em mim. Mas há feridas que não se curam e vícios que não se largam... E, apesar de ir tentando melhorar o que me opõe a mim própria, tenho revoltas interiores que não cessam. Vivo numa eterna luta comigo mesma. Não me aceito frágil e desprotegida, não aceito os erros que dou, apesar de os assumir até antes de os cometer. Vejo em mim o erro constante e a falha e tenho dificuldades em ver as virtudes. Que as devo ter num qualquer sítio recôndito...
Espero, por isso, um mundo melhor, mas acabo por o enxergar um pouco à minha imagem, cheio de erros e falhas e com muito poucas virtudes. Somos talvez todos um pouco assim, observadores do mundo através do espelho...
No entanto, há quem goste sempre do que o espelho reflecte e nunca ponha em causa a existência de imperfeições e, quem sabe não será por isso, tudo lhe agrade e, consequentemente, não invista em melhorias. Não critico quem tem esta visão, mas pois ambas as perspectivas são legítimas, mas parece-me que ganharíamos mais, e não me excluo do exercício, se em vez de só vermos o reflexo no espelho, olhássemos com olhos de ver uns para os outros.