Se há cerca de vinte, trinta anos, não se sabia tanto quanto se sabe hoje sobre pedagogia, psicologia ou educação, actualmente este conhecimento é muito mais vasto. Tão vasto que tendemos a instrumentalizar a forma como educamos as nossas crianças.
Olhamos para os nosso filhos e vemo-los como projectos pessoais. Queremos que sejam os melhores e sempre melhores que eles próprios, que estejam sempre a evoluir para que sejam bem sucedidos na vida. É normal, porque independentemente das nossas crenças, queremos o melhor para eles, porque os amamos. Mas esta forma de amar e de os tentar conduzir para o sucesso está a matar-lhes a infância.
Não são poucas as vezes que ouvimos coisas do género:
"Quero que o Rui seja um óptimo engenheiro";
"Estou a fazer tudo para que a Ana seja a melhor professora que já leccionou";
"O que mais quero é que o André vença no mundo do trabalho como o melhor designer gráfico".
Também dizemos que A ou B tem que frequentar determinada actividade porque estimula e/ou desenvolve aquela característica que a criança não tem tão desenvolvida. No fundo, estamos a querer formatar os nossos filhos segundo os padrões de sucesso ou as tendências que a sociedade nos vai impondo e esquecemo-nos de algumas coisas muito importantes: que a infância só se vive na infância; que a espontaneidade e a descoberta acontecem essencialmente nestas idades e que o melhor ensinamento é o da própria vida.
Queremos balizar as aprendizagens. Sentimos necessidade de estabelecer padrões e de enfiar os nossos filhos dentro deles. Não aceitamos as suas diferenças de ânimo leve, lutamos para que nunca fiquem abaixo daquilo que é suposto para a sua idade e, com isto - acreditando que estamos a fazer o melhor para eles e para os seus futuros - estamos a matar-lhes a infância. Sem que esta seja na verdade a nossa intenção, estamos a quebrar-lhes a oportunidade da descoberta progressiva e lenta como só a vida e os acontecimentos lhes podem proporcionar.
E esgotamo-nos quando levamos este "projecto" (que é como alguns pais o assumem) ao fio da navalha, à ponta da espada, porque vivemos a seguir objectivos sem deixar que as coisas aconteçam e sem permitir que a infância passe efectivamente pelas vidas das crianças. Adulteramos esta fase do seu crescimento, introduzindo-lhe apontamentos de ciências pedagógicas e fechando as portas à convivência desinteressada entre crianças e entre adultos e crianças. Partimos a brincadeira em momentos: a hora do teatro, a hora da música, a hora da expressão corporal, a hora dos jogos didácticos... Mas esquecemo-nos daquele momento, que devia ser o maior, da brincadeira livre sem regras pré-definidas.
Deixámos também de ser tolerantes para com os mais pequenos. Incomodam-nos no cinema quando falam alto ou choram; incomodam-nos na praia quando riem alto ou correm na areia; incomodam-nos no restaurante quando não se calam com perguntas ou quando não querem comer determinado prato. Incomodam-nos a nós e às pessoas que estão em volta. Por isso, damos-lhe um telemóvel ou algo que os mantenha distraídos, hipnotizados, caladinhos e sossegados...
Na realidade, estamos avessos a tudo o que não são comportamentos ditos "civilizados" por parte das crianças, mas esquecemo-nos que elas são a inocência que negamos até em nós próprios porque a consideramos incompetência e, ainda pior, falta de maturidade.
E o encanto da infância não é mesmo esse, a falta de maturidade e a inocência? Porque não as deixamos viver isso e condenamos cada vislumbre destas duas características? Porque estamos a desumanizar as crianças tornando-as "projectos"?
Pelo outro lado, queremos levar animais para os restaurantes e vestir-lhes roupinhas, humanizando-os...
Mas isso daria uma outra conversa que ficará para outra altura... Ou talvez não.
É verdade... acredito que todos os pais, inconscientemente, a determinada altura, façam isso!
ResponderEliminarSophie Você,
ResponderEliminarA sociedade que descreve neste post é a de consumo/desperdício: não existe nela lugar para inocências, apenas para "projectos" maximizados de consumo/desperdício. Neste contexto, filhos não são seres humanos: são sinais exteriores do sucesso (ou malogro) dos progenitores. Por outro lado, qualquer tentativa para contrariar -quiçá minimizar- este estado de coisas equivale a condenar os filhos ao eventual ostracismo.
O Professor Agostinho da Silva propôs alternativas no ensaio Educação de Portugal - quem as leu sabe porque é que, quase meio século após a sua redacção, permanecem enterradas. Alguns dirão, «porque eram absurdas». No entanto, "o caminho faz-se caminhando" e, se nada for tentado, nada será alcançado.
Cordiais cumprimentos.