A primeira morte que me devastou foi a morte de um colega de escola. Eu tinha uns seis ou sete anos. Lembro-me de a minha mãe me dar a notícia. "O Pedro morreu", ecoou-me na cabeça várias vezes.
O Pedro tinha a minha idade e tinha ido de barco pescar para o rio com o avô. Parece que o Pedro caiu do barco e que o avô foi atrás dele para o tentar salvar. Ficaram lá os dois. O Pedro tinha uma irmã mais nova, loirinha como ele, e uns pais de aspecto feliz.
Lembro-me que me fartei de chorar pela morte do meu colega e por, pela primeira vez, ter tido consciência da mortalidade das crianças.
Hoje, passados trinta e tal anos, volto ao Pedro e à sua morte estúpida. Volto ao Pedro levada pelos Pedros que têm morrido no incêndio de Pedrógão Grande. Mas já não volto só ao Pedro, volto aos pais dos Pedros que, ou os viram morrer, ou que morreram com eles a tentar salvá-los.
A imagem do avô afogado ao lado do neto transforma-se na imagem dos pais e dos filhos dentro dos carros com as chamas a querer entrar-lhes.
O desespero e a impotência perante uma natureza em fúria ecoa-me, hoje, na cabeça. Os gritos das crianças pela ajuda de uns pais incapazes de lhes valer, o calor das chamas e o cheiro a corpos queimados e a impotência... a impotência imensa.
E depois vejo um homem na televisão a dar conselhos às pessoas para não saírem de dentro de casa se viverem uma situação idêntica. Um homem que perdeu as duas filhas e a mulher para aquele fogo. A tentarem fugir. Um homem que se encheu de dignidade e sobriedade e que cresceu ali, diante dos meus olhos, pela grandeza sobre-humana de estar preocupado com os outros, quando lhe tinham morrido as duas filhas e a mulher num carro perto do seu.
"Não as consegui salvar", diz ao jornalista, com a dor quase a sair-lhe pelos olhos. Uma dor que retém e aguenta até conseguir acabar de responder a todas as perguntas que lhe fazem.
E volto ao Pedro e à morte estúpida que o levou aos sete anos. Volto ao Pedro e às duas filhas daquele homem. Volto ao Pedro, à revolta, à impotência e à mortalidade das crianças.
E sou tomada pela urgência de, um dia, chegar aos calcanhares daquele homem que terá dentro dele tudo isto, o que sinto, em doses industriais e que se mantém ali, de pé, digno como um Homem.
Que dor de alma :( nenhuma criança devia morrer nunca. Creio que, se estivesse na situação terrível e inimaginável desse sobrevivente, não ia aguentar. É possível morrer de desgosto? :( que horror...
ResponderEliminarEu nem consigo imaginar tal dor...nem pouco mais ou menos...Nenhuma familia deveria passar por isto =(
ResponderEliminarBeijinho*