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Chegam ao restaurante de mãos dadas como nos tempos em que ele ainda não tinha a barriguinha que lhe força os botões da camisa e ela as duas camadas de base em tonalidades diferentes que escondem os traços que o tempo lhe foi desenhando no rosto.
Ele afasta a cadeira para ela se sentar num gesto que reproduz o cavalheirismo dos filmes românticos de Hollywood. Ela senta-se com olhar meloso, encarnando a personagem feminina da trama, e ajeita a saia que lhe aperta as formas agora mais arredondadas.
Num silêncio premeditado, o frente-a-frente impõe-se. Afinal é dia dos namorados e o romantismo é a palavra de ordem.
O gesto automático tira o telemóvel do bolso da camisa dele que só acaba quando o objecto é pousado sobre a mesa. Está ansioso, mas não quer lhe notem a inquietação. Afinal, é só mais um dia dos namorados.
A voz sai-lhe tão melosa quanto o olhar que ela lhe dirige:
- Estás linda! - semicerra os olhos como que a comprovar a veracidade das suas palavras.
Aponta-lhe a objectiva do telemóvel, ainda com olhos lânguidos para não quebrar o feitiço do amor e conseguir arrancar aquele momento único. Ela ajeita-se depressa para uma posição esteticamente mais aceitável, pousando o queixo sobre os nós dos dedos.
Um clique e um sorriso, dois cliques e um segundo sorriso.
- Deixa ver! - pede para aprovar o disparo - a primeira está melhor! - afirma.
Ele envia a fotografia da companheira para o seu Facebook, juntando-lhe uma frase de romantismo inegável "Vim jantar com o meu amor. Não sou um sortudo?".
E os likes, corações e comentários não param de aparecer em sonoras notificações. Sorriem um para o outro extasiados com o som que lhes alegra os dias.
- Olha, o Zé gostou! Diz que sou mesmo um sortudo e para te tratar bem!
Ela responde-lhe com o sorriso que imortalizou no rosto para este dia e com um pestanejar repetido.
O empregado chega e entrega uma ementa a cada um. O restaurante é de requinte e o menu é composto apenas pelos mais requintados pratos, ou não fosse hoje dia de extravagâncias.
É a vez dela. Tira o telemóvel da mala a cheirar a mofo e fotografa as letras clássicas que adornam a ementa encadernada a cabedal.
Rapidamente envia a fotografia para o seu perfil, antecedida pela frase "Vejam só o que vou comer com o meu amor!". E uma enxurrada de comentários, que se dizem invejosos, atacam-lhe o telefone.
Fazem o pedido ao empregado que lhes serve um vinho branco fresco.
Unem os copos e fotografam o tilintar dos copos numa jura de amor eterno.
No prato dela aparece uma rosa vermelha e um cartão que o empregado deixou quando trouxe o vinho. Ela cheira a rosa e lê o cartão.
- Oh, que lindo! - diz, com uma lágrima a espreitar-lhe no olho direito - És um querido!
Regista o momento da rosa no prato e do cartão aberto e deixa-o no seu mural do Facebook ao lado da fotografia dos copos elegantes a chocarem. "Sou ou não sou uma sortuda?", diz ao mundo para que não duvide da sua felicidade.
Ele beija-a por cima da mesa, depois de desviar a vela que lhes ilumina o amor e acertar o telemóvel na direcção dos lábios que se tocam.
Envia a imagem captada pelo Iphone para o seu mural: António a sentir-se feliz com Maria no restaurante Love Lounge "O meu eterno e grande amor! Feliz Dia dos Namorados para todos os meus amigos!", acrescenta, perpetuando-lhes o sentimento e distribuindo-o pelos amigos.
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Vá lá, digam qualquer coisinha...
...por mais tramada que seja...