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Mensagens

A mostrar mensagens de 2016

O dom da palavra

Penso as relações com abertura, sinceridade, frontalidade. Não consigo sustentar amuos, mal-entendidos, palavras por dizer. Sei que às vezes sou bruta nesta forma de agir, que a minha frontalidade fere e incomoda, que às vezes ofende. Mas os silêncios piedosos, as incompatibilidades por resolver e as dores caladas são sempre mais cruéis, porque aquilo que não se verbaliza fica a doer para sempre, a escarafunchar-nos por dentro e ergue muros difíceis de transpor entre o que somos e o que o outro pensa e sente que somos. A palavra, por mais dura que seja, vem dar espaço ao entendimento, à compreensão do outro, à partilha de emoções, ao fortalecimento das relações. Calar a dor não a destrói, pelo contrário, amplifica-a. Fá-la gritar-nos aos ouvidos a sua presença e trá-la à superfície sempre que estamos mais frágeis. Há entendimento sem palavras, que há. Às vezes, esse é o mais forte e profundo, porque prescinde de quase tudo, bastando-nos existir para percebermos o outro e para que

Aridez

Sinto um desapego crescente pelos objectos. Talvez por isso me distancie de tudo o que é compras e o consumismo me aflija tanto... Vai longe o tempo em que havia muito que me fazia falta. Hoje, não sinto falta de coisa nenhuma. Não desejo nenhum presente de Natal ou de aniversário. Nada me encheria as medidas ou ocuparia os espaços que trago vazios. E tenho vários, nos quais os objectos nunca caberiam. Todos os anos, a minha mãe obriga-me a escolher qualquer coisa que me ofereça. Escolho um creme para a cara que não compraria se não mo oferecessem. Há já vários anos que é isso que me cai no sapato vindo dela e me dura o ano certinho de cara apresentável. Ficaram para trás os velhos tempos em que usava produtos de maquilhagem. A base, o batom ou as sombras ainda tenho as da altura do curso de manequim, de há uns 15 anos. Tenho-os ali, dentro de uma bolsinha que nunca uso, para o caso de um dia me apetecer ou precisar. Nunca precisei, nem me apeteceu. Prefiro a cara limpa de gordur

Só para variar

Ando cansada. Tão cansada que não me apetece fazer nada. Só me apetece embrenhar-me no meio da natureza e ficar por lá, embrenhada. Já só me faz sentido olhar o céu, sentir os cheiros que dançam no ar e revolver a terra com as unhas. Tudo o resto me parece falso, inútil, fútil. Não suporto o espírito natalício que me rodeia. Irritam-me as pessoas com a sua caridadezinha natalícia, com a adoração pelas crianças que só vem nesta época, com a falsa solidariedadezinha, com a fome consumista. Irritam-me as pessoas com as suas vidas de aparências e de alegrias exibicionistas. As luzes de Natal que iluminam ruas vazias parecem-me cada vez mais artificiais. Não há gente para elas. E a que há não está realmente lá. As pessoas já não saem, não vivem, não conversam. Fingem que fazem imensas coisas e tiram fotos. Sugam tudo para dentro dos telemóveis e ficam-se por aí. Parece que não há nada para fazer e nunca houve tanto para fazer. Apesar de certos locais se encherem, quem por lá anda, segue

A cama

Sentou-se na beira da cama e descalçou os chinelos um a um. Encostou-os geometricamente lado a lado à parede em frente, mesmo por debaixo da janela. Rodou sobre as nádegas e enfiou as pernas dentro da cama. Abriu o livro, abandonado há já três dias, e retirou o marcador de metal da página 57 que leu por quatro vezes sem reter uma palavra. Desistiu. Voltou a marcar a página 57 e a abandonar o livro por tempo incerto. Deixou-se deslizar para dentro dos lençóis e aninhou-se, como de costume, na posição fetal virado para a esquerda. Fechou os olhos e tentou silenciar os pensamentos. Faltava-lhe o calor do corpo dela a aquecer-lhe as costas. As dobras dos joelhos não tinham o toque dos joelhos dela, as plantas dos pés sentiam a falta dos peitos dos pés dela, o calor da sua respiração na cova que lhe separava os omoplatas já não estava ali para lhe eriçar os pêlos. Faltava o som do ar que saía e entrava nos pulmões dela a um ritmo certo e lhe sossegava as ideias até as calar num sono pro

Ao toque das notificações

Wall-E Há consenso quando se diz que as crianças andam a abusar dos smartphones; que não largam os aparelhómetros e que já quase não socializam umas com as outras. Se nos olharmos ao espelho, por sinal um exercício deveras enriquecedor que devíamos experimentar mais vezes, também nós, pais, abusamos dos smartphones e deixamos que eles invadam a nossa vida e nos roubem o tempo que é dos nossos filhos. Ah, ok, nós temos desculpa, porque é o e-mail do chefe que chegou, ou o da escola dos filhos com o agendamento da reunião de pais, ou porque "postámos" uma coisa muito gira nas redes sociais e precisamos urgentemente saber se os nossos amigos do Facebook ou do Instagram gostaram. Sim, nós temos sempre desculpa. Todos estamos abusivamente ligados ao mundo virtual, de tal forma que praticamente vivemos dentro dele. Transferimos as amizades para um espaço conjunto imaginário que preferimos ao contacto presencial com as outras pessoas. Já não precisamos de ir ao café à noi

Ensino e aprendizagem

Na turma do meu filho há um miúdo repetente que tem 15 ou 16 anos. O meu filho está no 7º ano, o que quer dizer que o miúdo já deve ter chumbado uns três ou quatro anos. No outro dia, dizia-me ele: - Sabes, mãe, acho que se vê quem são os meus professores bons pelas notas do B.? - Então? - Acho que o B. vai ter muito boa nota a Educação Visual e o professor é dos melhores que temos. - Porque achas que uma coisa está relacionada com a outra? - Porque ele consegue estar atento às aulas e faz trabalhos muito bons, ao contrário de nas aulas das outras disciplinas. Esta conversa com o meu filho, fez-me pensar que hoje, o ensino e o sucesso escolar dependem demais da qualidade dos professores. Haver alunos que chumbam vezes sem conta está demasiado nas mãos dos professores porque o sistema de ensino não funciona. Se houvesse uma maior abertura às necessidades, expectativas e características de cada aluno, em vez de se "encarneirar" toda a gente, talvez houvesse menos miúdo

A "panne"

Era tarde. Os candeeiros altos com luzes amarelas iluminavam a rua. De tempos a tempos, um carro aparecia devagar. Rodava a uns 30 km/h para parar e fazer inversão de marcha. Ela esperava dentro de um Volkswagen amarelo. Estava sentada ao volante com a cabeça encostada à cabeceira do banco. Quase não se movia, apenas oscilando o olhar entre um novo carro que se aproximava e o vazio. Olhava o carro e voltava a encostar-se como se a espera não pudesse ser interrompida. Nem o movimento junto ao Honda cinzento lhe quebrou a serenidade. Conferia os automóveis que chegavam e marcavam o prolongamento da sua espera. Nada havia que a inquietasse. Trazia a tranquilidade aos ombros que a prendia ao banco e a mantinha impávida. As pessoas do Honda falavam alto e gesticulavam. O carro tinha empanado e não conseguiam fazê-lo voltar a mover-se. Eram três. Dois homens e uma mulher. Ela, no lugar do condutor, rodava a chave e carregava no acelerador, enquanto eles, decididos e enérgicos, empurrav

Matar o tempo

Estou à espera de consulta. Entram e saem pessoas dos gabinetes: doentes, médicos, assistentes. Há quem fale ao telefone; quem passeie os dedos no ecrã do telemóvel; quem veja televisão; quem leia revistas. Pego no meu caderninho e escrevo. Observo as pessoas e desenho-as no papel. Uma força intrínseca obriga-me a transcrever momentos, como se uma fome insaciável me impelisse a sugar a alma dos outros que só cessa em forma de palavras. Preciso perpectuá-las por escrito para que não me fujam da memória. - Sr. Diogo Sousa! - chama a assistente do gabinete quatro. O Diogo, de uns 15 anos acabados de fazer, lá segue para o gabinete quarto de phones nos ouvidos e telemóvel na mão. A mãe acompanha-o com ar preocupado, o mesmo ar preocupado que todas as mães têm quando vão ao médico com os filhos. - Nº 47! E a senhora da senha 47 dirige-se ao balcão. Cruzam-se conversas em burburinho. O casal que está ao meu lado fala de trivialidades. Matam o tempo, aqueles dois. A recepcionist

Os TPC e os pais

Esta semana, a notícia de uns pais espanhóis que iniciaram uma greve aos TPC  gerou mais discussão em volta dos trabalhos de casa. Vou voltar a este assunto, de que já falei aqui várias vezes, e volto, porque me revolve o estômago deparar-me com lutas destas, ao contrário e egoístas. Os pais espanhóis revoltaram-se contra os TPC de fim-de-semana, porque, segundo os mesmos,  "invadem o tempo das famílias" e "violam o direito ao recreio, à brincadeira e a participar nas actividades artísticas e culturais".  Ora, se os miúdos têm algum tempo para fazer trabalhos de casa, esse tempo será aos fins-de-semana, certo? E quanto aos TPC durante semana, não há revolta? Ah, ok, os dias de semana não dão para irem passear e fazer outras actividades com as famílias, mas dão para os miúdos irem ao futebol, à música, à ginástica ou ao inglês e estas actividades não lhes roubam tempo nenhum para o recreio ou para as brincadeiras, pois não? Ah e tal, são artísticas e culturais e

Supermercado milagroso

Amanheci em desalento. A noite havia sido pouca, levantei-me irritada e sem sono que, há já vários dias, andava em falta, chorei, discuti. Não saí de casa até à hora em que fui ao supermercado.  No espelho, antes de sair, vi-me velha e cheia de rugas, cabelo estranho, olheiras, olhar triste e cansado. O fim do dia prometia não destoar do seu início, ainda mais por ter de ir às compras que detesto. Já no supermercado, na secção dos laticínios, encontrei dois chineses em busca de leite gordo. Olhavam as prateleiras desorientados e pediram-me socorro. Procurei o que pretendiam e ajudei-os a distinguir as várias qualidades de leite para que numa próxima ocasião não precisassem do auxílio de ninguém. Agradeceram-me muito e levaram o produto que pretendiam. Na secção dos congelados, uma senhora abalroou-me o carrinho de compras. Pediu-me imensas desculpas e devolvi-lhe um sorriso acompanhado por um "não faz mal". Na padaria, esqueci-me de tirar a senha e a freguesa

É o país que temos!

Esta típica frase portuguesa aparece vezes sem conta a rematar conversas que não se querem ter mais do que à superfície. Faz-me lembrar o fado, o fatalismo, a resignação a um destino. Oiço-a amiúde e não sou capaz de a deixar de ouvir. "Os impostos são muito altos. É o país que temos!"; "Os políticos são todos uns corruptos! É o país que temos!"; "O ladrão saiu em liberdade! É o país que temos!"; "Hoje choveu! É o país que temos!"; e por aí fora aplicada a qualquer conversa de circunstância.  "É o país que temos" é o ponto final. Acabou, não há nada a fazer. Temos pena, mas agora vamos à nossa mísera vidinha de cabeça baixa num lamento interminável! Claro que há muito a fazer, porra!  É este o país que queremos ter?  Se não é, porque não o mudamos? Eu respondo: porque do que gostamos realmente é de nos lastimar. Seja lá do que for. Se fizermos coisas, se mudarmos o que está mal, já não temos razão de queixa. Já não

Tenho uma tatuagem no meio do peito

Ontem, no elevador, olhei ao espelho o meu peito que espreitava pelo decote em bico da camisola, e vi-a. "Tenho uma tatuagem no meio do peito", pensei. Geralmente, não a vejo. Faz parte de mim, há dez anos, aquele pontinho meio azulado. Já quase invisível aos meus olhos, pelo contrário, ontem, olhei-a com atenção, porque o tempo já me separa do dia em que ma fizeram e me deixa olhá-la sem ressentimentos. À tatuagem como à cicatriz que trago no pescoço. A cicatriz foi para tirar o gânglio que confirmou o linfoma. Lembro-me do médico me dizer "vamos fazer uma cicatriz bonitinha. Ainda é nova e vamos conseguir escondê-la na dobra do pescoço. Vai ver que quase não se vai notar". Naquela altura pouco me importava se se ia notar. Entreguei o meu corpo aos médicos como o entrego ao meu homem quando fazemos amor. "Façam o que quiserem desde que me mantenham viva", pensava. "Cortem e cosam à vontade! Que interessa a estética de um corpo se ele está a morrer

Da paixão

J.- O que eu gosto mais, de tudo, é de basquetebol! Eu - Sim, eu sei. J.- Bem, tudo menos tu, o pai e a avó... Eu - Sim? Sinto-me muito lisonjeada. J. - Podia morrer tudo, menos tu, o pai e a avó, e se eu só tivesse o basquetebol era feliz!

Brad e Angelina ou Pitt e Jolie. Enfim, o que quiserem

DAQUI Confesso que o título e a imagem são armadilhas para atrair o monte de voyeurs  que segue a saga do divórcio dos dois actores americanos para este meu bloguezinho solitário. Sim, gosto de utilizar estas técnica manhosas para falar de assuntos sérios a pessoas que só se interessam por coscuvilhar a vida alheia. Sim, sou manhosa que me farto! De escudo em punho para me proteger das pedras que me queiram atirar, digo-vos que o caso Brad e Angelina ou Pitt e Jolie, ou até "Bradjelina", como preferirem, não me interessa minimamente enquanto conto de fadas destruído. Sim, eles são lindos de morrer, e tal, e tal, e tal, mas se me deu para reflectir sobre este assunto não foi só para atrair os amigos voyeurs (pois... sou uma "intelectualoide" de categoria que raciocina até sobre temas mundanos e sem interesse nenhum, pintando-os de outras cores para falar de coscuvilhices sem descer ao nível dos coscuvilheiros), mas essencialmente para me focar na reacção das

Múltiplos

Perdemo-nos a cada segundo que gastamos imersos em múltiplos. Já raramente paramos para ler, ouvir, ver, sentir ou falar. Fazemos tudo ao mesmo tempo numa pressa que algo se esgote. Querem-nos capazes de dominar vários idiomas, ferramentas, técnicas. Querem que sejamos dinâmicos e que tenhamos mil e uma competências; que estejamos aptos para tudo. Se não temos determinada competência ou se não estamos aptos para certa função, que desenvolvamos as competências em segundos e que aprendamos rápido tudo o que ainda não sabemos. Querem-nos imensos num. Queremo-nos imensos num. E corremos a colmatar cada falha, cada vazio, cada incapacidade. Para quê? De que vale sermos vários se não conseguimos ser um? Se gastamos tempo a ser vários, em vez de nos demorarmos num? Perdemos histórias, música, cor, toque e palavras. Perdemos vida a cada momento, a cada instante que nos ausentamos de nós mesmos. E ausentamo-nos tantas vezes. Saímos de nós para buscar outros que não fomos, que não somo

Fã do Harry Potter, mas nem tanto...

Perguntei ao meu miúdo se queria ir ao lançamento do novo livro do Harry Potter na Ler Devagar. - Achas? Quero o novo livro, mas não vou em palhaçadas! Agora andar lá naquele amontoado de gente mascarada?! Ok, encomendo-o online . DAQUI

Dos blogues

DAQUI Comecei isto dos blogues faz tempo. Mais precisamente em 2011. Faz tanto tempo que este menino aqui já completou cinco anos em Agosto. Há cinco anos e picos que venho para aqui arrotar as minhas postas de pescada. Primeiro, em núpcias das delícias da maternidade; depois confrontada com o fim das núpcias; hoje, com a consciência de que a maternidade se expande por tudo o que é lado da vida da gente. Nunca, mas mesmo nunca, tentei tornar este blogue num lugar cuchi-cuchi, fofinho e queridinho. Este lugar não é de todo fofinho. Não há por aqui adoçantes da vida, nem marcas a embelezar o que se passa por dentro e por fora da minha experiência enquanto mãe, ou enquanto pessoa, ou até mesmo a comandar o que escrevo. Não me deixo limitar por "politicamente correctos" ou estereótipos que atentem contra a minha liberdade na escrita. Escrevo o que me dá na real gana, quando me dá na real gana. Em tempos, cheguei a ter por aqui uma publicidade, mas nada que me prendesse

Mediocridade

DAQUI Entristece-me constatar que quem está à frente de grupos, os ditos lideres, são, geralmente, pessoas menores. Chamo-lhes "menores" não por acreditar que existem vários de níveis de pessoas, mas por considerar "menores" aqueles que se deslumbram e pavoneiam numa insegurança e falta de carácter que só o exercício do poder (por mais diminuto que seja) sobre aqueles que consideram maiores do que eles desfaz a mediocridade em que vivem. A mediocridade de cada um, se não bem gerida pelos próprios, transforma-se em cancros sociais que apodrecem o que os circundam, criam raízes até aos extremos e atacam todos os órgãos. Estamos cheios de cancros que destroem tudo em raios de cinco metros. Infectam instituições, pessoas e valores. Infectam e alastram-se. Movem multidões em redor de falácias e imprimem a auto-destruição na verdade e na autenticidade daqueles que lhes são maiores. E "maiores" são aqueles que não precisam do poder para se sentirem cheio

A morte do encantamento

DAQUI O excesso de informação, conjugado com o fácil acesso ao esclarecimento de dúvidas pontuais e com a falsa proximidade do que dantes se sentia inalcançável, tem contribuído para a morte do encantamento. Se o que nos era distante se fez perto, mesmo que virtualmente perto, o fascínio da descoberta foi-se esvaindo na ilusão do conhecimento. A falsa proximidade e o aparente saber como a perda do pudor no exibicionismo parvo. Lembro-me do constrangimento em se venerar a própria imagem; do recato no orgulho das qualidades estéticas ou na admissão das virtudes pessoais. Sei que em muitos casos a suposta modéstia se fazia por polidez. E, por isso, não a tenho de grande valor, mas não tenho dúvidas que o excessivo culto do corpo e da aparência, assim como a auto-promoção das qualidades e competências de cada um, em praça pública ou gritados aos sete ventos, num narcisismo assoberbado, têm a sua dose de responsabilidade no definhar do encantamento. Temos vindo a perder

Um olhar em silêncio que nos prende ao amor

Passam carros e gentes em corrupio. Hora de ponta na cidade e a quietude em nós. O largo enche-se de vidas cruzadas apenas pelo espaço. Seguem trilhos, na ignorância de que o caminho é já definido. Vão. E vêm. O silêncio ampara-nos no tempo perdido e prende-nos por dentro. Fechamos portas ao quotidiano e abrimos janelas ao pensamento. Enclausuramo-nos na solidão daqueles que, alheios ao mundo, vivem de sentir. O som da rua grita em vão, enquanto o olhar se demora em quem amamos. Porque ao amor nada o rodeia. Não há carros, não há gentes, não há sons. Há o silêncio do olhar que diz mil palavras sem um ruído. E no entanto, toca-nos na pele e acelera-nos o coração... Enche-nos os espaços que não temos para o mundo e diz-nos que vida é só isto, um olhar em silêncio que nos prende ao amor.

Vejam só o que encontrei!

Resumindo :  Licenciatura em marketing (um profissional certificado); Gosto pela área comercial (amor cego que se venda barato);  De preferência, recém-licenciado (cabeça fresquinha e sem manhas); Com vontade de aprender (que aceite, feliz, todas as "óptimas" condições de trabalho que lhe oferecem, porque os ensinamentos não têm preço); Disponibilidade imediata (já a sair de casa e a arregaçar as mangas);  Carta de condução (vai de carro e não seguro, como a Leonor descalça do Camões);  Oito horas de trabalho por dia e não por noite (muito tempo luminoso para aprender, sem necessidade de acender velas). Tudo isto, a troco de: Um contrato a termo incerto (um trabalho p'rá vida); 550€ / mês de salário negociável (uma fortuna que pode ser negociável, caso o candidato seja um ingrato); Refeições incluídas (é melhor comer bem durante as horas de serviço, porque vai passar muita fominha a partir daquela hora do dia em que tiver de

Strangers in the life

Já vos disse que os seres desta casa são estranhos? Ups, está escrito a um "post" daqui, mesmo ali em baixo! Este Verão, fomos de férias a nossa habitual semanita. Há anos que não temos mais de uma semana de férias. Para ser sincera, acho que nunca tivemos mais do que isso. Não, pensando bem, já tivemos sim, uma vez ou outra. Normalmente chega-nos esse tempo para desanuviar, mudar de ares e recarregar baterias e, nestas férias, seguimos o costume. Este ano, fartos de andarmos agarrados a computadores e tecnologias, sedentos de ar livre e aventura, pegámos no carro e seguimos a sul, rumo somewhere . A única coisa que acordámos com antecedência foi ir para sul junto à costa. Metemos o filho, sacos com alguma roupa, tenda e sacos-cama na bagageira (não o filho não foi na bagageira, só as tralhas) e lá fomos por este país abaixo. Deixámos os computadores arrumaditos em casa e usámos os telemóveis só quando estritamente necessário. E o estritamente necessário foi sossegar a

Toiro "encrençado"

Hoje, gritei com o miúdo, coisa que não é hábito cá em casa. O meu filho é touro de signo e, como um belo espécime do signo, às vezes "encrença". Fica a marrar nas traves e não sai dali até ficar com um belo galo na cabeça. Já anda "encrençado" há algum tempo com uma questão lá da vida dele de pré-adolescente e, eu e o pai, temos tentado desviar-lhe a atenção das tábuas para coisas mais alegres, mas o miúdo é tramado e tem continuado a insistir em ficar ali a marrar, a marrar, como se não houvesse amanhã. Hoje, passei-me e gritei-lhe até que abrisse os olhos. "Porra, pá, sai daí, não vês que só magoas a cabeça e não derrubas essa porcaria!", saiu-me. Abriu os olhos de espanto com a minha reacção e, finalmente, começou a pensar que aquela treta de marrar nas traves só dá dores de cabeça e não derruba nada. De repente, pareceu que viu a luz. Começou a pensar, a pensar, a pensar tanto que quase se "encrençou" para um lado diferente: que realm

O engano

O meu homem, enquanto estende a roupa (sim, cá em casa a roupa é cena dele. Somos estranhos, eu sei!), ouve música. Aliás, ele ouve sempre música, mas hoje, enquanto estava a ouvir música e a estender a roupa e eu a arrumar a loiça do almoço (sim, apesar do moço tratar da roupa, eu também faço umas coisitas cá por casa. Sim, eu sei, parece que somos mesmo estranhíssimos!), pôs os Pink Floyd a tocar. Ao som dos Pink Floyd, comecei a pensar que hoje há pouca cultura que faça as pessoas pensarem como por exemplo os Pink Ployd faziam; que conteste os poderes; que ponha em causa as ditas verdades universais; que cause indignação e contestação. Vivemos na sociedade do engano. Julgamos que temos liberdade, quando somos nós mesmos que restringimos a liberdade, calando-nos. Já não defendemos causas, mandamos umas bocas e ficamo-nos por aí. Os poderes estão instituídos e aceitamo-los, pura e simplesmente, sem um ai realmente sentido. Encolhemos os ombros e distraímo-nos com outras coisas par

As calças

Não gosto de ir às compras. Detesto cada vez mais. Nenhumas compras. A única loja em que gosto de entrar é na de livros. Todas as outras dispenso. Hoje, tive de ir ver roupa. Tenho roupa de que já não gosto e preciso de uma peça ou outra. Costumo ir às compras a sítios baratos, com saldos, promoções, etc. Como já não dou grande importância ao que visto, não exijo grande qualidade, desde que goste, prefiro o barato. Como com quase a maior parte das coisas. Apenas os livros me impelem à compra, me tentam. Não me entretenho a coleccionar bens materiais. Há outras coisas que me satisfazem. Não preciso de ter para sentir que sou. Preciso mais daquilo que não é comprável, o que acaba por ter um valor muito superior, sair mais caro, mas ficar para sempre. Sou, assim, um bocado esquisita e difícil de contentar. Mas hoje, teve de ser. Mau dia, já que ao sábado, depois do fim do mês, há imensa gente a gastar o ordenado nas lojas por aí. E, especialmente, nas baratas. Foi um tormento. Nã

Adolescência e liberdade

Os casos de adolescentes que se agridem têm inundado a comunicação social. Ora os irmãos, filhos de um embaixador, que espancaram um rapaz de 15 anos; ora o rapaz de 16 anos que espancou outro de 14 até à morte. Para a comunicação social, estes casos são "doces". Geram polémica, opiniões controversas, ódios e amores e duram, duram, gerando imensos artigos com informações e contra-informações. O primeiro caso, conhecido por "caso dos irmãos iraquianos" pode ter "origens xenófobas", diz-se por aí. A verdade é que se não teve "origens xenófobas" pode vir a ter "fins xenófobos". O facto de se sublinhar que os gémeos são iraquianos na divulgação das notícias sobre este caso está a abrir caminho para potenciar ódios de cariz xenófobo. A opinião pública revolta-se contra os agressores, que não tendo desculpa pelas agressões, seja qual for a origem destas, relacionam-nos com a sua nacionalidade. "Ah e tal, são iraquianos!"; "E

Fragilidades

Há séculos que luto contra a ideia de se esconderem as fragilidades. Parece-me completamente surreal o ser-humano não ser capaz de aceitar as próprias lacunas ou as dos outros. Vivermos num mundo plástico em que só os ditos "vencedores" são considerados incomoda-me. Vencer, ser bem-sucedido em todas as áreas da vida, não existe. Temos falhas, tantas falhas que às vezes estas são mais do que os sucessos. Muito mais. Qual é o problema de sermos frágeis? Somos humanos, porra! Não há gente perfeita. Felizmente. Ser frágil significa que se que sente alguma coisa. Magoamo-nos, incomodamo-nos, sentimos. É bom termos a capacidade de sentir. A capa que alguns põem de vida perfeita é falsa e só mesmo uma capa. Para quê? Se é com as próprias fragilidades que mais aprendemos... Com os erros, com os constrangimentos, com aquele assunto que nos põe à prova. A vida engomadinha, bonitinha, arranjadinha, perfeita, é um embuste. Para os outros e, especialmente, para os próprios. Podí

A loucura da lucidez

Hoje, reli um texto que a minha mãe escreveu sobre a sua experiência enquanto doente oncológica. Reler os acontecimentos e vê-los assim, em catadupa, entrega-nos a um passado que julgávamos quase arrumado. Não que ele não nos tivesse ficado marcado, mas que o tivéssemos escondido por debaixo de recordações boas, como que a camuflá-lo. A história da minha mãe está enrolada na minha. Eu fui a primeira a experimentar esta coisa do cancro. Um linfoma de Hodgkin alojou-se-me no pescoço, escondido num gânglio. Fez dez anos em Abril. Dez, porra! Sobrevivi dez anos depois daquela porcaria me ter tentado estrangular. Estrangular pois... que morreria pelo pescoço. Depois de mim, a minha mãe. Com aquela porcaria na ponta do pulmão direito. Sorte ser o direito que tinha mais por onde cortar, que o esquerdo tem de deixar espaço para o coração. E que coração, o da minha mãe que até inchou durante os tratamentos! Na recuperação dela, o acidente. Onde ela, a minha avó e o meu filho levaram c

Das vestimentas e da hipocrisia

Imagem DAQUI Parece que esta imagem gerou muita conversa por aí... "Ai que é uma desgraça as egípcias andarem vestidas daquela maneira!"; "ai os direitos das mulheres estão desrespeitados!"; "ai que isto é um insulto à condição feminina!" e por aí fora. Pelo que uma das jogadoras egípcias disse AQUI  não me parece que ela esteja muito chateada por se vestir com aquela roupa toda, antes pelo contrário. Como já disse neste blogue, sou contra as religiões, não gosto, acho que não deviam existir. Mas como também sou a favor da liberdade, acho que cada um tem o direito de acreditar naquilo que quiser e de se vestir de acordo com aquilo que quiser. Ainda sou mais contra as religiões misturadas com os governos dos países. Acho que nunca se podem misturar, porque comprometem a liberdade de todos os que não têm religião. E não ter religião é um direito igual ao de ter. No fundo, o que me perturba mais aqui não é a roupa das moças. De nenhuma d

Harry Potter style

Enquanto fui buscar os meus óculos novos (que os antigos já estavam a cair de podres), o miúdo foi à bateria (instrumento, não a do telemóvel ou coisa que a valha) para fugir às compras que eu iria fazer a seguir. Após as compras, quando o fui buscar, perguntei-lhe: - Então, como correu a bateria? - Bem. E a ti como correram as aulas de magia? Aprendeste novos feitiços? Imagem  DAQUI

O humor corrosivo é genético

Enquanto arrumava a loiça na máquina, o pequeno corrosivo cá de casa diz-me: - Mãe, sabes, aconteceu uma coisa ainda pior do que a morte do Mário Moniz Pereira?! - Então? - O Benfica perdeu! - E isso é pior do que a morte do senhor? - Claro que sim. Imagina só a quantidade de mulheres que neste momento está a sofrer violência doméstica! Ui!