O som vinha do teu quarto. Podia ser do meu, mas não, era do teu. Conseguia ouvir-te cantarolar a música que saía do teu rádio num nhó-nhó-nhó que me levou numa nuvem vinte anos para trás.
Aterrei algures entre a adolescência do teu pai, que nada fazia sem música, e a minha juventude ainda muito agarrada a sonoridades do passado. Música, que ele me foi apresentando enquanto arrumava o quarto e falávamos da escola, ou comíamos pão quente para lá da meia-noite. Música, que nos uniu e consolou quando a dor da separação nos corroía os corações inexperientes. Música, que abraçou este amor e o ajudou a fazer-se maduro. Música, que ainda hoje ouvimos a pensar em nós.
O som que vinha do teu quarto encheu a casa da minha juventude e tu apareceste-me numa versão tão boa do teu pai. Numa versão tão boa de ti, em simultâneo. Vi dez anos do bebé que me saiu do ventre tão perto de me sair, agora, debaixo da asa e florescer num homem.
Sei que ainda falta, mas em breve, quando levantares voo, carregarás nesse corpo que se faz homem, todo o amor, e a toda música que, desde há vinte anos, imprimem o teu pai em mim.
Ele não será uma "consequência" dessa música? (desse amor?)
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