Avançar para o conteúdo principal

Amores Confessados ao Vento

Ontem, fui dar um passeio com o J. junto ao rio. 
Mãe e filho vimos o sol pôr-se lá longe enquanto conversámos sobre a vida, sobre as pessoas, sobre as relações. 
O vento, que teimava em despentear-nos os cabelos, levou confissões de amores antigos contados em segredo a um filho demasiado curioso.

- Acho que nunca vou gostar de ninguém - disse meio desiludido.
- Porquê?
- Porque sessenta e cinco por cento das pessoas são parvas.
- Eh!!! Também não é assim.
- É pois. 
- Acreditando que isso é verdade, ainda há trinta e cinco por cento que não são parvas. Nessas trinta e cinco por cento pode haver alguém de quem gostes.
- Não acredito.
- Então e a M.?
- A M. é parva. Só diz parvoíces.
- Não acredito que isso seja verdade.
- É, mãe, garanto-te. Tens um gravador para eu levar para a escola e gravar o que ela diz para te mostrar?
- Não. Só tenho o do telemóvel.
- Se eu gravasse depois vias como tenho razão.
- As raparigas, tal como os rapazes, passam por umas idades um bocado parvas, mas depois isso passa-lhes.
- Acho que ela ainda vai ficar mais parva.
- Eh, que mau!

E voltámos aos meus amores antigos, à quantidade de namorados que tive, ao tipo de relações. Até que me pediu que lhe contasse como conheci o pai e como começámos a namorar. Quis saber do primeiro beijo. Contei-lhe da noite inteira que passámos juntos, deitados num colchão no chão da sala em que falámos horas de testas coladas sem nos beijarmos, apenas selando os lábios um no outro pela manhã.

Olhou-me com olhos doces e disse:
- Quero um amor assim. Como o vosso.

Comentários

Enviar um comentário

Vá lá, digam qualquer coisinha...
...por mais tramada que seja...

Mensagens populares deste blogue

Apneia

 Sempre esta coisa da escrita... De há uns anos para cá tornou-se uma necessidade como respirar. Tenho estado em apneia, eu sei. Não só, mas também, porque veio a depressão. Veio, assim, de mansinho, como que para não se fazer notar, instalando-se cá dentro (e cá fora). Começou por me devorar as entranhas qual parasita. Minou-me o corpo e o cérebro, sorvendo-me os neurónios e comendo-me as ideias, a criatividade e a imaginação. Invadiu-me a mente e instalou pensamentos neuróticos, medos, temores, terrores até. Fiquei simultaneamente cheia e vazia. E a vontade de me evaporar preencheu-me por completo, não deixando espaço para mais nada. Não escrevia há meses. Sinto-lhe a falta todos os dias. Mas havia (há) um medo tão grande de começar e só sair merda. E, no entanto, cá estou eu a escrever de novo. Mesmo que merda, a caneta deslizou sobre o papel e, agora, os dedos saltam de tecla em tecla como se daqui nunca tivessem saído. O olhar segue os gatafunhos, o pensamento destrinça frases e e

A Língua do Michael Jordan

O ídolo (imagem retirada da Internet) Um dia destes, enquanto assistia a um treino do meu filho, reparo que ele está sempre de língua de fora... Ele não é daqueles miúdos que põem a língua de fora quando escrevem ou quando fazem qualquer coisa que lhes exija um pouco mais de concentração, por isso estranhei! No intervalo que o treinador lhes dá para irem beber água, ele chega-se ao pé de mim e diz: -Viste, mãe, estive de língua de fora como o Michael Jordan? (Para quem não conhece, o Michael Jordan, o mocinho aqui ao lado, foi um dos melhores jogadores de basquetebol do mundo e uma das suas características era jogar com a língua de fora.) O meu filho estava todo orgulhoso a imitar o Michael Jordan, sentia-se o melhor jogador do mundo à custa da sua linguinha ao vento, mas eu (estúpida!) estraguei a sua alegria, com esta minha triste saída: -Pois, mas se não pões a língua para dentro ainda a mordes se te derem um encontrão, além de pareceres um tontinho... Arrependi-me da parte do

Miúdos

Da janela, vejo os miúdos da escola a brincarem no recreio e invejo-lhes a liberdade.  Também era assim em pequena. Saltava e brincava sem amarras. Fazia pinos e rodas pelas ruas, solta como uma andorinha. Era livre. Tão livre quanto possível.  Hoje, não. Estou presa dentro deste corpo e mente. Corpo que não cede à mente. Mente que não tem espaço para viajar. Aqueles miúdos têm controlo no corpo porque ele lhes responde. Podem esticá-lo ou dobrá-lo a bel-prazer. Os miúdos têm o poder de observar, cheirar e tocar tudo o que vida lhes dá. A mente leva-os longe. Vai atrás da flor que flutua ao vento, do bichinho de contas que se enrola ao toque, da formiga que muda de percurso quando encontra um obstáculo. A mente deles está livre de merdas. Tem espaço para todas as coisas novas, é ampla, sem muros ou barreiras onde possa embater. Já a minha... Já a minha é qual um labirinto sem saída. Fica às voltas nas agruras da vida, nas paredes que fui erguendo, mas pedras em que vou tropeçando, nas

O engano

O meu homem, enquanto estende a roupa (sim, cá em casa a roupa é cena dele. Somos estranhos, eu sei!), ouve música. Aliás, ele ouve sempre música, mas hoje, enquanto estava a ouvir música e a estender a roupa e eu a arrumar a loiça do almoço (sim, apesar do moço tratar da roupa, eu também faço umas coisitas cá por casa. Sim, eu sei, parece que somos mesmo estranhíssimos!), pôs os Pink Floyd a tocar. Ao som dos Pink Floyd, comecei a pensar que hoje há pouca cultura que faça as pessoas pensarem como por exemplo os Pink Ployd faziam; que conteste os poderes; que ponha em causa as ditas verdades universais; que cause indignação e contestação. Vivemos na sociedade do engano. Julgamos que temos liberdade, quando somos nós mesmos que restringimos a liberdade, calando-nos. Já não defendemos causas, mandamos umas bocas e ficamo-nos por aí. Os poderes estão instituídos e aceitamo-los, pura e simplesmente, sem um ai realmente sentido. Encolhemos os ombros e distraímo-nos com outras coisas par

O Poeta (ou a Poetisa) é um Fingidor

Em mais uma conversa pré-sono, falávamos de umas supostas pretendentes do J.  - Ela disse que a minha letra era muito bonita! - Oh, então está apaixonadíssima. Qualquer pessoa, no seu perfeito juízo, sabe que a tua letra não é nada bonita. Ela é voadora, nunca está toda sobre a linha. Mas bonita, não! Definitivamente, só uma pessoa apaixonada pode achar a tua letra bonita. - Eh eh eh eh! Pois é. Pois, deve estar! - E tu? - Não sei. Ainda não sei. - Mas há mais alguma menina que faça esse coraçãozinho bater com mais força? - Há. - Há? Quem? - A M. - E quem é a M.? Se é que posso perguntar? - É aquela que vimos no outro dia, que tem o cabelo assim, mais ou menos, do tamanho do teu. - Pois... Não sei. Sabes que há umas meninas lá da tua escola que eu confundo sempre. Nunca sei quem é quem. Mas não faz mal. Depois vejo se descubro. Achas que o coraçãozinho dela também bate com mais força por ti? - Não sei. - Mas porque é que esse coração acelera? - Também n