Avançar para o conteúdo principal

Crianças Sós

Há crianças abandonadas por aí. Telefones e tablets olham por elas.
Largadas à sua sorte e ao que estes aparelhos lhes podem ensinar, mordem-nos ao nascer dos dentes e chocalham-nos como se fossem rocas. É a fase oral de Freud em 4,7 polegadas de telefone.
Outras, maiorezinhas, em vez de os comerem, procuram o mundo nos seus ecrãs tácteis. Nos jogos, que ao toque dos seus pequeninos dedos lhes dão poderes de fazer saltar bonequinhos pelo ar ou matar bichinhos imaginários, encontram a única realidade que as acompanha.
E estão sozinhas ali. Longe dos pais que se demitiram de as ouvir, de lhes falar, de lhes tocar. Longe do que é a linguagem do amor, sufixos da palavra esquecimento. Crianças que perderam o crescimento, antes mesmo do seu começo. Crianças sós acompanhadas de pais ausentes.

Comentários

  1. Nos anos 70 éramos aconchegados num cesto (canastra - assim se designa aqui no norte) e éramos assim deixados enquanto as mães cavavam a terra ou lavavam a roupa no tanque. Metíamos à boca pedras, ervas e bichos. Mal começávamos a caminhar, ficávamos sozinhos com os mais velhinhos. a partir dos 4 / 5 anos já podíamos fazer tarefas como apanhar pequenos galhos, batatas, guardar ovelhas, etc. Aos 14 já praticamente todos trabalhávamos nas fábricas de calçado. Talvez a realidade da grande cidade fosse diferente, mas no Portugal rural as crianças sempre cresceram sozinhas e entregues a si mesmas. Hoje, apenas têm tecnologia.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Anónimo,

      Não deixa de ser verdade o que aqui nos expôs, no entanto não queria deixar de o lembrar que nos anos 70 não havia a informação e o conhecimento do que à educação e relações pessoais diz respeito, que há hoje em dia.
      O que mais me indigna e entristece é que o facto de haver toda uma panóplia de formações, workshops e coachings, não contribuiu para uma grande mudança nas relações humanas desde essa altura e as pessoas continuam longe umas das outras.
      Como tão bem disse, "hoje, apenas têm tecnologia". Pergunto, o que surgirá no futuro para as manter afastadas?

      Eliminar

Enviar um comentário

Vá lá, digam qualquer coisinha...
...por mais tramada que seja...

Mensagens populares deste blogue

Apneia

 Sempre esta coisa da escrita... De há uns anos para cá tornou-se uma necessidade como respirar. Tenho estado em apneia, eu sei. Não só, mas também, porque veio a depressão. Veio, assim, de mansinho, como que para não se fazer notar, instalando-se cá dentro (e cá fora). Começou por me devorar as entranhas qual parasita. Minou-me o corpo e o cérebro, sorvendo-me os neurónios e comendo-me as ideias, a criatividade e a imaginação. Invadiu-me a mente e instalou pensamentos neuróticos, medos, temores, terrores até. Fiquei simultaneamente cheia e vazia. E a vontade de me evaporar preencheu-me por completo, não deixando espaço para mais nada. Não escrevia há meses. Sinto-lhe a falta todos os dias. Mas havia (há) um medo tão grande de começar e só sair merda. E, no entanto, cá estou eu a escrever de novo. Mesmo que merda, a caneta deslizou sobre o papel e, agora, os dedos saltam de tecla em tecla como se daqui nunca tivessem saído. O olhar segue os gatafunhos, o pensamento destrinça frases e e

A Língua do Michael Jordan

O ídolo (imagem retirada da Internet) Um dia destes, enquanto assistia a um treino do meu filho, reparo que ele está sempre de língua de fora... Ele não é daqueles miúdos que põem a língua de fora quando escrevem ou quando fazem qualquer coisa que lhes exija um pouco mais de concentração, por isso estranhei! No intervalo que o treinador lhes dá para irem beber água, ele chega-se ao pé de mim e diz: -Viste, mãe, estive de língua de fora como o Michael Jordan? (Para quem não conhece, o Michael Jordan, o mocinho aqui ao lado, foi um dos melhores jogadores de basquetebol do mundo e uma das suas características era jogar com a língua de fora.) O meu filho estava todo orgulhoso a imitar o Michael Jordan, sentia-se o melhor jogador do mundo à custa da sua linguinha ao vento, mas eu (estúpida!) estraguei a sua alegria, com esta minha triste saída: -Pois, mas se não pões a língua para dentro ainda a mordes se te derem um encontrão, além de pareceres um tontinho... Arrependi-me da parte do

Miúdos

Da janela, vejo os miúdos da escola a brincarem no recreio e invejo-lhes a liberdade.  Também era assim em pequena. Saltava e brincava sem amarras. Fazia pinos e rodas pelas ruas, solta como uma andorinha. Era livre. Tão livre quanto possível.  Hoje, não. Estou presa dentro deste corpo e mente. Corpo que não cede à mente. Mente que não tem espaço para viajar. Aqueles miúdos têm controlo no corpo porque ele lhes responde. Podem esticá-lo ou dobrá-lo a bel-prazer. Os miúdos têm o poder de observar, cheirar e tocar tudo o que vida lhes dá. A mente leva-os longe. Vai atrás da flor que flutua ao vento, do bichinho de contas que se enrola ao toque, da formiga que muda de percurso quando encontra um obstáculo. A mente deles está livre de merdas. Tem espaço para todas as coisas novas, é ampla, sem muros ou barreiras onde possa embater. Já a minha... Já a minha é qual um labirinto sem saída. Fica às voltas nas agruras da vida, nas paredes que fui erguendo, mas pedras em que vou tropeçando, nas

O engano

O meu homem, enquanto estende a roupa (sim, cá em casa a roupa é cena dele. Somos estranhos, eu sei!), ouve música. Aliás, ele ouve sempre música, mas hoje, enquanto estava a ouvir música e a estender a roupa e eu a arrumar a loiça do almoço (sim, apesar do moço tratar da roupa, eu também faço umas coisitas cá por casa. Sim, eu sei, parece que somos mesmo estranhíssimos!), pôs os Pink Floyd a tocar. Ao som dos Pink Floyd, comecei a pensar que hoje há pouca cultura que faça as pessoas pensarem como por exemplo os Pink Ployd faziam; que conteste os poderes; que ponha em causa as ditas verdades universais; que cause indignação e contestação. Vivemos na sociedade do engano. Julgamos que temos liberdade, quando somos nós mesmos que restringimos a liberdade, calando-nos. Já não defendemos causas, mandamos umas bocas e ficamo-nos por aí. Os poderes estão instituídos e aceitamo-los, pura e simplesmente, sem um ai realmente sentido. Encolhemos os ombros e distraímo-nos com outras coisas par

O Poeta (ou a Poetisa) é um Fingidor

Em mais uma conversa pré-sono, falávamos de umas supostas pretendentes do J.  - Ela disse que a minha letra era muito bonita! - Oh, então está apaixonadíssima. Qualquer pessoa, no seu perfeito juízo, sabe que a tua letra não é nada bonita. Ela é voadora, nunca está toda sobre a linha. Mas bonita, não! Definitivamente, só uma pessoa apaixonada pode achar a tua letra bonita. - Eh eh eh eh! Pois é. Pois, deve estar! - E tu? - Não sei. Ainda não sei. - Mas há mais alguma menina que faça esse coraçãozinho bater com mais força? - Há. - Há? Quem? - A M. - E quem é a M.? Se é que posso perguntar? - É aquela que vimos no outro dia, que tem o cabelo assim, mais ou menos, do tamanho do teu. - Pois... Não sei. Sabes que há umas meninas lá da tua escola que eu confundo sempre. Nunca sei quem é quem. Mas não faz mal. Depois vejo se descubro. Achas que o coraçãozinho dela também bate com mais força por ti? - Não sei. - Mas porque é que esse coração acelera? - Também n