No sábado, não era suposto eu ir à manifestação. Inscrevi-me para participar num estudo que iria, ou melhor irá, determinar o rendimento adequado para se viver com dignidade neste país. Resolvi participar porque acreditei que o meu contributo iria ser importante. Pode parecer-vos presunçoso, mas penso que tenho umas ideias um bocadinho diferentes da maior parte dos portugueses e, por isso, acreditei que iria abrir o leque de opiniões nos debates programados. O facto de pagarem o dia aos participantes não contribuiu em nada para a minha decisão. Achei, sincera e inocentemente, que iria valer a pena levantar-me cedo a um sábado, se com isso ajudasse a dar a ideia que o nível de vida dos portugueses é mau, baixo e que precisa urgentemente de ser aumentado.
Mais uma vez, enganei-me. O grupo onde me inseriram era homogéneo. Apenas com uma pessoa a destoar: eu!
Tudo o que eu dizia, não valia de grande coisa. Comecei a sentir-me a ovelha negra do rebanho e a achar que não tinha valido a pena levantar-me cedo, nem desperdiçar um dia de luta por um país melhor, por ... AQUILO.
Tudo o que eu dizia, não valia de grande coisa. Comecei a sentir-me a ovelha negra do rebanho e a achar que não tinha valido a pena levantar-me cedo, nem desperdiçar um dia de luta por um país melhor, por ... AQUILO.
Quando chegou a hora de almoço, pensei "o que é que eu estou aqui a fazer? Vai haver uma manifestação esta tarde, que poderá abanar este país, e eu vou continuar aqui a brincar às casinhas com esta gente? Não! Vou-me, mas é embora daqui!".
As restantes participantes por lá ficaram, pois ainda faltava almoçarem à borla, receberem o dinheiro pela tarde de conversa e decidirem o grau de importância de ter um serviço de loiça de melhor qualidade na sala do que na cozinha para servirem as visitas.
As restantes participantes por lá ficaram, pois ainda faltava almoçarem à borla, receberem o dinheiro pela tarde de conversa e decidirem o grau de importância de ter um serviço de loiça de melhor qualidade na sala do que na cozinha para servirem as visitas.
Eu fui-me embora. Bazei. Liguei ao pai do J., que já ia para a manifestação, e lá fomos os dois.
Ele dedicou-se a fotografar, eu a ouvir, ver e cheirar o ambiente.
Recebia todos os panfletos que me ofereciam, ouvia as palavras de ordem, cantava a Grândola, e todas as outras músicas que se cantaram do Zeca, e apontava as frases que se diziam em conversas paralelas.
(Tenho, por mania, um especial prazer em sentir-me A spy in the house of love. E ali, conseguia ser a espia que vive intensamente do amor dos outros.)
Como não estava incluída em nenhum grupo, e tinha que me manter atenta ao meu homem para não o perder de vista no meio da multidão, acabei por não ser muito participativa na manifestação, limitando-me a vivê-la através dos outros e a cantar sempre que assim se propunha. (Não canto nada de jeito, mas ninguém me iria tirar o prazer de cantar Zeca Afonso em plenas ruas de Lisboa!)
O ambiente era intenso, as pessoas estavam unidas, mas tristes, muito tristes. A tristeza pairava no ar de uma forma muito dura. O desânimo era evidente, apesar da força com que gritavam. Mas no meio disso tudo, a voz do Zeca, que se ouvia aqui e ali, enchia-me o coração de esperança, ao mesmo tempo que me reportava para as histórias de luta de há 30 anos, tão tristemente idênticas às que travamos hoje.
E agora, olhando de uma perspectiva menos romântica da coisa, quero destacar alguns pontos estranhos da manifestação:
1- Estas duas frases, das que apontei:
- "Eu não tenho partido, tenho clube e tenho religião, mas partido não!", disse uma senhora orgulhosa, no metro; - Ok, partido é que não! Que coisa mais horrorosa de se ter... Clube e religião é que são dignos de se ter. Já partido...
- "É preciso o governo não prestar para a gente se encontrar!", disse outra senhora, toda contente, a amigos, no meio da manif. - Uau! Fixe! Queremos mais governos destes, que nos proporcionem estes magníficos convívios!
2- Também notei uma ou outra coisa "que me fizeram espécie". E elas são:
-A quantidade de gente com cachecóis do Sporting; - Estavam ali de passagem, certo? Iam para o jogo, mas cortaram caminho para ver como é que aquilo estava a correr, mas iam mas era para o jogo, que era muito mais importante.
-A quantidade de pessoas que se escondiam, atrás do que estivesse à mão, para não serem fotografadas pelo pai do J. - Estavam com medo de serem identificadas pela PIDE, não era? Ou "damos a cara, mas nem tanto assim. Afinal, viemos só para fazer número! Nós não queremos que o Passos ou o Gaspar se zanguem connosco, ok?"
Ele dedicou-se a fotografar, eu a ouvir, ver e cheirar o ambiente.
Recebia todos os panfletos que me ofereciam, ouvia as palavras de ordem, cantava a Grândola, e todas as outras músicas que se cantaram do Zeca, e apontava as frases que se diziam em conversas paralelas.
(Tenho, por mania, um especial prazer em sentir-me A spy in the house of love. E ali, conseguia ser a espia que vive intensamente do amor dos outros.)
Como não estava incluída em nenhum grupo, e tinha que me manter atenta ao meu homem para não o perder de vista no meio da multidão, acabei por não ser muito participativa na manifestação, limitando-me a vivê-la através dos outros e a cantar sempre que assim se propunha. (Não canto nada de jeito, mas ninguém me iria tirar o prazer de cantar Zeca Afonso em plenas ruas de Lisboa!)
O ambiente era intenso, as pessoas estavam unidas, mas tristes, muito tristes. A tristeza pairava no ar de uma forma muito dura. O desânimo era evidente, apesar da força com que gritavam. Mas no meio disso tudo, a voz do Zeca, que se ouvia aqui e ali, enchia-me o coração de esperança, ao mesmo tempo que me reportava para as histórias de luta de há 30 anos, tão tristemente idênticas às que travamos hoje.
E agora, olhando de uma perspectiva menos romântica da coisa, quero destacar alguns pontos estranhos da manifestação:
1- Estas duas frases, das que apontei:
- "Eu não tenho partido, tenho clube e tenho religião, mas partido não!", disse uma senhora orgulhosa, no metro; - Ok, partido é que não! Que coisa mais horrorosa de se ter... Clube e religião é que são dignos de se ter. Já partido...
- "É preciso o governo não prestar para a gente se encontrar!", disse outra senhora, toda contente, a amigos, no meio da manif. - Uau! Fixe! Queremos mais governos destes, que nos proporcionem estes magníficos convívios!
2- Também notei uma ou outra coisa "que me fizeram espécie". E elas são:
-A quantidade de gente com cachecóis do Sporting; - Estavam ali de passagem, certo? Iam para o jogo, mas cortaram caminho para ver como é que aquilo estava a correr, mas iam mas era para o jogo, que era muito mais importante.
-A quantidade de pessoas que se escondiam, atrás do que estivesse à mão, para não serem fotografadas pelo pai do J. - Estavam com medo de serem identificadas pela PIDE, não era? Ou "damos a cara, mas nem tanto assim. Afinal, viemos só para fazer número! Nós não queremos que o Passos ou o Gaspar se zanguem connosco, ok?"
Porque não escreve aqui as suas ideias, sobre como viver com dignidade neste pais? Gostava a ler :)
ResponderEliminarOlá Fernanda!
ResponderEliminarPorque se eu achasse que valia mesmo a pena dizer, teria lá ficado e tinha dito lá! Afinal, aquele é um estudo que pode fazer alguma diferença, quando concluído.
;)
Bjs
Credo, há gente que realmente não percebe o espírito das manifs.
ResponderEliminarAdorei o teu post.
ResponderEliminarDe facto somos um povo de falsos valores...
Beijinhos
Também é assim que me sinto nas manifs, observadora,captadora dos gestos, das palavras de ordem,do desespero, não faz parte de mim andar em manada, gosto de ser eu a controlar o que digo e faço, mas também há quem e vá porque é fixe e super divertido
ResponderEliminarBeijinho
Olá!
ResponderEliminarMas parece que as pessoas desse grupo não estavam interessadas e talvez aqui exista quem tenha interesse em ouvi-la! Eu estou. Por isso insisto, e peço desculpa minha teimosia. Mas o tema interessa-me.
Beijinho
Não, Fernanda, as pessoas estavam interessas em falar sobre o tema, só que havia um abismo entre a visão delas e a minha. Por isso não valia a pena falar. Era como se falássemos línguas diferentes, a comunicação não existia.
ResponderEliminarTalvez um dia, fale sobre isso. :)
Bjs
Entretanto, Fernanda, se lhe apetecer pode ler este "post" que lhe dará uma ideia de como eu vejo "a coisa". ;)
ResponderEliminarhttp://sermaeetramado.blogspot.pt/2012/10/portugueses-e-o-dinheiro.html
Bjs
Ah, e lá em cima era "interessadas" e não "interessas". Ups!
ResponderEliminarBenedita,
ResponderEliminarAcho que somos mais um povo cheio de medo!
Bjs
Felina,
ResponderEliminarÉ bom observarmos os outros, não é?
Eu sinto sempre que aprendi algo mais sobre a vida. Através dos outros também me vou conhecendo melhor.
Bjs
Cada vez mais acredito que estamos a viver uma nova ditadura e está é não só pelo que os nossos governantes andam a fazer (basta tomar atenção à manipulação das noticias na tv) como também nas cabeças das pessoas. Acrodem senhores, a PIDE já não existe!
ResponderEliminarTanita,
ResponderEliminarNão há PIDE no formato de outrora, mas existe outra PIDE que se expressa de uma maneira bem mais dissimulada, através da contra-informação e das notícias manipuladas e manipuladoras de massas. E as pessoas também estão retraídas, têm medo de se assumirem, de admitirem aquilo que pensam, de lutarem por aquilo em que acreditam e vão atrás daquilo que lhes impingem. Mas também me parece que há muita gente sem convicções, que não pensa, que não processa a informação e apenas se deixa ir por onde as levam, sem se questionarem que é esse o caminho que querem realmente seguir.
Estamos numa época difícil em vários aspectos. Não sei onde isto irá parar.
Bjs