Avançar para o conteúdo principal

A Selva

Cometi a insanidade de ir às compras ao Continente em dia de Passagem de Ano. Eu, confessa apaixonada por compras, que se puder delegar essa tarefa a outrem dou saltinhos de alegria, vi-me sozinha e indefesa a aterrar em plena selva consumista.

Desde levar com encontrões distraídos dos chimpanzés saltitões, passando por ver hienas a atravessarem-se-me no caminho de braço estendido em direcção a uma qualquer iguaria tradicional da época (enquanto eu, alheia a tanta selvajaria, contemplava uma prateleira) até ter que me proteger de leões ferozes, de pá em punho, a escavarem a arca dos camarões congelados, como se não houvesse amanhã, aconteceu-me de tudo!

A vontade de fugir era tremenda. Estive quase a jurar que a minha Passagem de Ano ideal seria a comer cereais ao som das doze badaladas e que festejar o primeiro dia do Ano com uma caneca de leitinho com chocolate nas mãos. Esta seria a entrada no Ano Novo perfeita...
Só a consciência da maternidade me impediu de sair dali para fora a correr: o meu filho não podia passar dois dias a comer cereais por causa de uma mãe preguiçosa, que preferiu gastar o fim-de-semana na lãzeira a ir abastecer a despensa!

No preciso momento em que revia mentalmente o meu papel de mãe, sou assaltada pelos meus instintos assassinos mais recalcados: começo a imaginar-me de catana nas mãos a desbravar aquela selva cerrada como se disso dependesse a vida da minha cria.
Nesse instante, começo numa acelerada mutação e, repentinamente, vejo-me transformada numa leoa assanhada!

Mas em vez de satisfazer os meus desejos assassinos e desatar à catanada àquela bicharada toda, agarrei o meu cesto rolante com força e corri para as caixas a todo o vapor.
Afinal, já tinha conseguido recolher os alimentos suficientes para que o meu rebento não se transformasse num Cornflake gigante em apenas dois dias... A porcaria de um saquinho de passas, que havia encontrado desprezado numa bancada apinhada de animais famintos e o Champanhe a fingir, também já cá cantavam...

Podia retirar-me em grande, sem ter cometido nenhum homicídio e, levemente, flutuar rumo a uma meia-noite passada a engolir passas como se de doze comprimidos se tratassem, empurradas por um espumante manhoso que me estamparia trejeitos ainda mais manhosos na face.

2013, por favor, recebe com agrado, e abençoa, esta destemida exploradora de selva urbana!

Comentários

  1. Hoje também inocentemente, cometi o erro de ir a um hipermercado, e "jurei" nunca mais num dia como o de hoje. Estacionar o carro foi um pesadelo, encontrar um simples carro foi uma perfeita loucura [quanto mais um cesto], mas sobrevivi!

    ResponderEliminar
  2. Diogo Gonçalves,
    Um brinde a nós, corajosos sobreviventes dos hipermercados em dia de avalanche! ;)))
    Bom Ano!
    Bjs

    ResponderEliminar
  3. Ahahahaha, eu já aprendi nunca me meto nesses sitios nessas alturas, aliás nem aos fins de semana normais eu arrisco, faço sempre compras à semana tranquilamente, gente a mais põe me nervosa

    Beijoca

    ResponderEliminar
  4. Felina,

    Gente a mais também me põe nervosa, mas esta preguiça às vezes apodera-se de mim e, lá ficam compras para fazer ao fim-de-semana.
    Bahhhh!
    Bjs

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Vá lá, digam qualquer coisinha...
...por mais tramada que seja...

Mensagens populares deste blogue

Vejam só o que encontrei!

Resumindo :  Licenciatura em marketing (um profissional certificado); Gosto pela área comercial (amor cego que se venda barato);  De preferência, recém-licenciado (cabeça fresquinha e sem manhas); Com vontade de aprender (que aceite, feliz, todas as "óptimas" condições de trabalho que lhe oferecem, porque os ensinamentos não têm preço); Disponibilidade imediata (já a sair de casa e a arregaçar as mangas);  Carta de condução (vai de carro e não seguro, como a Leonor descalça do Camões);  Oito horas de trabalho por dia e não por noite (muito tempo luminoso para aprender, sem necessidade de acender velas). Tudo isto, a troco de: Um contrato a termo incerto (um trabalho p'rá vida); 550€ / mês de salário negociável (uma fortuna que pode ser negociável, caso o candidato seja um ingrato); Refeições incluídas (é melhor comer bem durante as horas de serviço, porque vai passar muita fominha a partir daquela hora do dia em que tiver de

Apneia

 Sempre esta coisa da escrita... De há uns anos para cá tornou-se uma necessidade como respirar. Tenho estado em apneia, eu sei. Não só, mas também, porque veio a depressão. Veio, assim, de mansinho, como que para não se fazer notar, instalando-se cá dentro (e cá fora). Começou por me devorar as entranhas qual parasita. Minou-me o corpo e o cérebro, sorvendo-me os neurónios e comendo-me as ideias, a criatividade e a imaginação. Invadiu-me a mente e instalou pensamentos neuróticos, medos, temores, terrores até. Fiquei simultaneamente cheia e vazia. E a vontade de me evaporar preencheu-me por completo, não deixando espaço para mais nada. Não escrevia há meses. Sinto-lhe a falta todos os dias. Mas havia (há) um medo tão grande de começar e só sair merda. E, no entanto, cá estou eu a escrever de novo. Mesmo que merda, a caneta deslizou sobre o papel e, agora, os dedos saltam de tecla em tecla como se daqui nunca tivessem saído. O olhar segue os gatafunhos, o pensamento destrinça frases e e

Dos blogues

DAQUI Comecei isto dos blogues faz tempo. Mais precisamente em 2011. Faz tanto tempo que este menino aqui já completou cinco anos em Agosto. Há cinco anos e picos que venho para aqui arrotar as minhas postas de pescada. Primeiro, em núpcias das delícias da maternidade; depois confrontada com o fim das núpcias; hoje, com a consciência de que a maternidade se expande por tudo o que é lado da vida da gente. Nunca, mas mesmo nunca, tentei tornar este blogue num lugar cuchi-cuchi, fofinho e queridinho. Este lugar não é de todo fofinho. Não há por aqui adoçantes da vida, nem marcas a embelezar o que se passa por dentro e por fora da minha experiência enquanto mãe, ou enquanto pessoa, ou até mesmo a comandar o que escrevo. Não me deixo limitar por "politicamente correctos" ou estereótipos que atentem contra a minha liberdade na escrita. Escrevo o que me dá na real gana, quando me dá na real gana. Em tempos, cheguei a ter por aqui uma publicidade, mas nada que me prendesse

Tenho uma tatuagem no meio do peito

Ontem, no elevador, olhei ao espelho o meu peito que espreitava pelo decote em bico da camisola, e vi-a. "Tenho uma tatuagem no meio do peito", pensei. Geralmente, não a vejo. Faz parte de mim, há dez anos, aquele pontinho meio azulado. Já quase invisível aos meus olhos, pelo contrário, ontem, olhei-a com atenção, porque o tempo já me separa do dia em que ma fizeram e me deixa olhá-la sem ressentimentos. À tatuagem como à cicatriz que trago no pescoço. A cicatriz foi para tirar o gânglio que confirmou o linfoma. Lembro-me do médico me dizer "vamos fazer uma cicatriz bonitinha. Ainda é nova e vamos conseguir escondê-la na dobra do pescoço. Vai ver que quase não se vai notar". Naquela altura pouco me importava se se ia notar. Entreguei o meu corpo aos médicos como o entrego ao meu homem quando fazemos amor. "Façam o que quiserem desde que me mantenham viva", pensava. "Cortem e cosam à vontade! Que interessa a estética de um corpo se ele está a morrer

Adolescência e liberdade

Os casos de adolescentes que se agridem têm inundado a comunicação social. Ora os irmãos, filhos de um embaixador, que espancaram um rapaz de 15 anos; ora o rapaz de 16 anos que espancou outro de 14 até à morte. Para a comunicação social, estes casos são "doces". Geram polémica, opiniões controversas, ódios e amores e duram, duram, gerando imensos artigos com informações e contra-informações. O primeiro caso, conhecido por "caso dos irmãos iraquianos" pode ter "origens xenófobas", diz-se por aí. A verdade é que se não teve "origens xenófobas" pode vir a ter "fins xenófobos". O facto de se sublinhar que os gémeos são iraquianos na divulgação das notícias sobre este caso está a abrir caminho para potenciar ódios de cariz xenófobo. A opinião pública revolta-se contra os agressores, que não tendo desculpa pelas agressões, seja qual for a origem destas, relacionam-nos com a sua nacionalidade. "Ah e tal, são iraquianos!"; "E