Ela veio do sul. Carregada com uma mala cheia de paixões desastrosas, tristezas, amarguras, dúvidas e sonhos, partiu para uma terra desconhecida em busca da realização profissional, e de um caminho que a levasse à sua construção enquanto pessoa, à sua identidade.
Com dezanove anos, 12º ano completo e provas específicas feitas em cima do joelho, recuou três anos no seu percurso académico em busca de um sonho. Amargurada pela indecisão, quanto ao que queria fazer na vida, decepcionada com o meio citadino, escolheu um refúgio rural, onde estivesse rodeada de animais, ar puro, céu e planícies infinitas.
Ele veio do norte. Carregado com uma mochila de incertezas, pureza e juventude, partiu atrás dos resultados dos testes psicotécnicos, feitos recentemente: trabalho ao ar livre.
Ele tinha apenas dezasseis anos, um 9º ano completo à custa de muita insatisfação, uma vida familiar pouco calorosa e um desejo enorme de liberdade e, repleto de sonhos.
Ele desceu e ela subiu, para se encontrarem bem no centro do país.
Quem os conhecia não diria que se apaixonariam. Mas apaixonaram...
Um dia, travaram conversa, por acaso... Falaram dos testes, que ambos tiveram que fazer para entrar na escola. Ela, com todo o conhecimento fresco de um 12º ano em Letras acabado de fazer, começou a divagar e a intelectualizar o conteúdo de um teste de Português básico. Ele, achou-lhe piada.
Começaram a encontrar-se mais vezes, por acaso...
Enquanto esperava pela hora do jantar na cantina da escola, ela ia assistir aos jogos de futebol ou basquetebol onde ele jogava. Por acaso...
Normalmente, ficava sozinha a pensar na vida. Sentada no muro que delimitava o campo, estudava, ou fingia que estudava, e punha os sonhos em dia.
Ele, atlético e apaixonado por desporto, jogava como se não houvesse amanhã. Quebrava todos os limites do seu corpo, na tentativa de encontrar novos limites para quebrar. Ela, achava-lhe piada.
Encontravam-se cada vez mais. Às vezes, conversavam. Outras, não.
Nalguns dias, eram os desgostos amorosos dela que falavam mais alto e virava-lhe as costas, e fingia que não o via, olhava através dele ou ia-se embora. Ele ficava confuso, a pensar no que lhe teria feito para merecer tanto desprezo. Mal ele sabia que o que tinha feito era ter tocado no coração despedaçado dela, que se defendia.
No Natal, ele mascarou-se de Pai Natal sem ela saber.
Ela, confusa por não o avistar na festa da escola, mas tentando disfarçar que o procurava com o olhar, deixou-se ficar à conversa com as colegas. Ele, foi ter com ela. Deu-lhe uma prenda, sem proferir uma só palavra, que ela recebeu, sem perceber de quem era a mão que lhe estava estendida.
Quando ele se preparava para se afastar, ela reconheceu-o, pelas botas. Aquelas botas de trabalhador do campo, com sola de pneu de camião, eram inconfundíveis. O Pai Natal só podia ser ele. E era!
O tempo foi passando e eles começaram a conversar mais. Por acaso...
Até que um dia, ela teve que mudar de casa. Foi viver, juntamente com uma amiga, para uma casa que a padeira da aldeia tinha para alugar. A casa era por cima de um lagar de azeite, e cheirava a azeite.
A amiga quase nunca estava lá. Passava mais tempo em casa do namorado, do que na dela. Por isso, ela passava a maior parte das noites sozinha.
Ele morava com vários colegas, numa espécie de república, mas acompanhava-a a casa antes de ir para a dele. Ficavam na conversa, em casa dela, até à meia-noite, hora a que começava a sair o pão quentinho na panificadora. Mal davam as doze badaladas no sino da igreja, lá estavam eles à espera do pão. Levavam-no para a casa do azeite e deliciavam-se com ele, e um com o outro.
Certo dia, após encherem a barriga de pão e o peito de contentamento, fez-se tarde para ele ir para casa. Então, ele não foi. E ficou...
Deitaram-se no colchão, que estava no chão da sala e que fazia de cama da amiga ausente, e conversaram durante toda a noite, unidos pelas testas que se tocavam ao mesmo tempo que sentiam o calor da respiração um do outro.
Só de manhã, quando o Pintas (o cão que acompanhava quase todos os alunos à herdade da escola e que dormia num tapete que ele e ela tinham posto do lado de fora da porta da casa do azeite) se levantou para ir levar os alunos à escola, já o sol iluminava o chão da sala, é que os lábios deles finalmente se tocaram, num beijo de um amor profundo, que ali acabara de nascer.
Uma romântica como eu só podia ficar com o coração a bater mais depressa...
ResponderEliminarQUERO que esse "amor profundo" ainda hoje exista e que tenha dado frutos!
Abracinho meu!
A vossa história de amor é linda. E tu sabes contá-la tão bem, captaste-me do início ao fim.
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