Aquele dia devia ter sido um dia normal. Eu devia ter ido buscar-te a casa da avó. Íamos para casa, jantávamos e eu contava-te a historinha da noite, antes de adormeceres.
Mas não foi um dia normal. Encontrei-te no hospital, numa maca, imobilizado, nu. Estavam a algaliar-te.
Abriste os olhos, viste-me e voltaste a fechá-los. Falavam contigo.
Mas não foi um dia normal. Encontrei-te no hospital, numa maca, imobilizado, nu. Estavam a algaliar-te.
Abriste os olhos, viste-me e voltaste a fechá-los. Falavam contigo.
Levaram-te para Sta Maria de ambulância, eu não fui contigo, não deixaram, fui noutro carro atrás. Atrás, não ao lado, atrás.
Ficaste deitado naqueles lençóis tempo demais.
HSM, HPV li, reli, vezes sem conta...
HSM, HPV li, reli, vezes sem conta...
Naquele dia, tudo acabou e tudo começou.
Os dias seguintes confirmaram a minha impotência, a minha incapacidade de te proteger, eu, que pensava que as mães tinham super-poderes e protegiam os filhos com o seu amor infinito, vi que era mentira da poesia, e que as mães não podem nada perante a doença ou o inevitável.
Os teus gritos de dor ecoavam no meu peito, tão fundo... E onde era o meu fundo, eu já não sabia... As tuas dores que eram minhas, porque eram tuas e não só minhas? Quem me dera poder abraçar-te com o meu ventre outra vez... E proteger-te, e proteger-te da dor, da tristeza, da dor... Dá-me a tua dor que eu aguento, eu aguento tudo menos ver-te sofrer, dá-me!
Os lençóis, HSM, HPV, li, reli... Já tinham embrulhado a minha mãe e embrulhavam-te a ti, agora, a ti e não mim... Porquê?
A linha azul, a do oxigénio, baixa, a cada subida a esperança. Os fios, tantos fios para uma criança. O soro, que pingava lenta e compassadamente e tu, ali, deitado, e eu ali ao lado.
HSM, HPV...
O calor lá fora e o frio cá dentro, dentro de mim, gélido. O medo, o pavor de te perder, de perderes o mundo e de o mundo te perder. O vazio, como o vazio que senti quando nasceste e te levaram, vazio de ti, vazio de mim.
E o teu pai longe, que me confiou a tua guarda, e eu não soube proteger-te. E se viesse e já não te visse aqui? A culpa, o ódio de ser humana, impotente e não divina, como na poesia. Tudo é tão mais fácil na poesia...
E os lençóis... HSM, HPV voltei a ler...
Os dias seguintes confirmaram a minha impotência, a minha incapacidade de te proteger, eu, que pensava que as mães tinham super-poderes e protegiam os filhos com o seu amor infinito, vi que era mentira da poesia, e que as mães não podem nada perante a doença ou o inevitável.
Os teus gritos de dor ecoavam no meu peito, tão fundo... E onde era o meu fundo, eu já não sabia... As tuas dores que eram minhas, porque eram tuas e não só minhas? Quem me dera poder abraçar-te com o meu ventre outra vez... E proteger-te, e proteger-te da dor, da tristeza, da dor... Dá-me a tua dor que eu aguento, eu aguento tudo menos ver-te sofrer, dá-me!
Os lençóis, HSM, HPV, li, reli... Já tinham embrulhado a minha mãe e embrulhavam-te a ti, agora, a ti e não mim... Porquê?
A linha azul, a do oxigénio, baixa, a cada subida a esperança. Os fios, tantos fios para uma criança. O soro, que pingava lenta e compassadamente e tu, ali, deitado, e eu ali ao lado.
HSM, HPV...
O calor lá fora e o frio cá dentro, dentro de mim, gélido. O medo, o pavor de te perder, de perderes o mundo e de o mundo te perder. O vazio, como o vazio que senti quando nasceste e te levaram, vazio de ti, vazio de mim.
E o teu pai longe, que me confiou a tua guarda, e eu não soube proteger-te. E se viesse e já não te visse aqui? A culpa, o ódio de ser humana, impotente e não divina, como na poesia. Tudo é tão mais fácil na poesia...
E os lençóis... HSM, HPV voltei a ler...
Os cigarros acalmavam-me, ou pensava eu que me acalmavam, mas tinha que te deixar para os fumar e sentia-me culpada, mas não conseguia deixar de ir... Era preciso pensar, era preciso controlar-me... Não conseguia. Toda a minha fraqueza a vir à tona, e o desespero...
-Ele vai ficar bem?
-Não sei! - responde a médica.
Merda, não, não era essa a resposta! Vamos voltar atrás!
-Ele vai ficar bem?
-Não sei!
A realidade a embater com força na minha cara, no meu corpo, no meu fundo... Onde estava o meu fundo? Será que ainda tinha fundo?
HSM, HPV... Que raiva! Sai, sai daí e vamos brincar, anda, anda para o meu colo, meu amor, meu amor, meu amor...
Vou rezar, não acredito em Deus, mas vou rezar! Como é que a minha avó me ensinou? Pai nosso, que estais no céu, e agora, o que é agora, merda, nem sequer sei rezar! Mezinhas, bruxarias, vale tudo! Vou sacrificar um sapo, uma cobra, um carneiro, qualquer coisa, eu corto os braços, as pernas, o que quiserem, minem o meu corpo de cancros, mas ponham o meu filho bom já! Não é daqui a bocadinho é já, agora! Entenderam, vocês aí que estão no céu, na terra, no mar ou no raio que vos parta? QUERO O MEU FILHO BOM AGORA, JÁ!
Fechei os olhos, e sempre os lençóis, Hospital Santa Maria, Hospital Pulido Valente, contigo dentro...
Muito forte este post. É a primeira vez que leio este blog mas desde já desejo muita força. Vou enviando todo o meu amor para vocÊs.
ResponderEliminarQuerida, fiquei colada à cadeira e com o coração a bater tão depressa... que texto tão emocionante. Senti-me na tua pele e não desejei ficar por lá, a angustia e a inércia nestes casos, o não poder fazer mais do que estar presente, devem deixar-nos no fundo. E onde é esse fundo??
ResponderEliminarDe fazer chorar as pedras da calçada
ResponderEliminarfizeste bem em rezar mesmo nao acreditando Nele, alguma fé havemso de ter
ResponderEliminarkis :?=
Que texto intenso e doloroso, impossível não ter entrado na tua pele... na tua alma... não sei se a situação é recente ou já passou... espero que esteja tudo bem com os dois
ResponderEliminarBeijinhos
Está tudo bem, sim! Já passou, Felina!
ResponderEliminarBjs
um post arrepiante...Fico feliz por saber que tudo acabou bem.bjs
ResponderEliminarObrigada por todos os vossos comentários.
ResponderEliminarSentiu-se o calor do vosso carinho aqui, acreditem!
Beijinhos a todos!
fiquei tão assustada, que bom que já passou!
ResponderEliminarmaggie
Mammy, não fui capaz de comentar ontem quando li o texto, porque fiquei tolhida e senti na pele a tua enorme aflição!
ResponderEliminarAinda bem que tudo correu bem e espero que nenhuma de nós passe por este tipo de coisa, no teu caso específico que não voltes a passar por ela...
Maggie,
ResponderEliminarObrigada pela preocupação!
Bjs
Naná,
Obrigada!
Também desejo que isto não aconteça a nenhuma mãe. É uma experiência que não perdemos nada se não passarmos por ela.
Beijinhos
Olá, sou um assistetente técnico do CHLN-HPV, e também não tenho soluções, no entanto, estou a viver como um sem abrigo, mas as questões prementes (vida ou não) estão sempre AQUI! 916879374!
ResponderEliminarposso fazer algo?
Obrigada, Anónimo.
EliminarEsta foi uma situação que já passou, felizmente.
Espero que a si lhe corra tudo pelo melhor e que encontre rapidamente uma solução para a sua vida.
Agradeço mais uma vez o seu apoio, retribuindo-lhe o meu.
Muito bem escrito, muito sentido, muito real. Aplica-se a tudo o que .
ResponderEliminarForça e irei seguindo atentamente estes depoimentos, criticas, angústias e esperanças... Sem dúvida ser mãe é tramado.
Parabéns e continua porque tem muita qualidade o teu blogue
Obrigada, Anónimo!
EliminarBenvindo ou benvinda!