Avançar para o conteúdo principal

Fome

Há uns tempos atrás, quando ia para o trabalho, encontrava várias vezes um senhor idoso a pedir esmola à saída do comboio. Dei-lhe dinheiro, não sempre, mas em algumas ocasiões...
Este senhor impressionou-me pela sua fragilidade, por isso falei sobre ele, cá em casa. Contei que ele me parecia sofrer de várias doenças devidas à idade e que não teria dinheiro para comer quanto mais para os vários medicamentos que provavelmente tinha que tomar. O J. foi particularmente sensível a esta história e começou a arranjar soluções para o ajudarmos. Foi à despensa buscar um litro de leite, umas bolachas e um garrafão de água e disse:
-Mãe, vamos levar isto ao senhor! Assim, já tem alguma coisa para comer... 
Enterneceu-me a preocupação dele, mas como eu não sabia o dia da semana que poderíamos encontrar o senhor na estação (pois ele não aparecia a dias certos) acabámos por nunca lhe levar os alimentos. Foi pena, pois acho que o J. ia gostar de sentir que podia fazer alguma coisa para o ajudar.

Nas férias desse ano, fomos a Roma. 
Roma é uma cidade belíssima, cada pedra em que tropeçamos é um monumento. Mas Roma também é uma lição de vida, porque à porta das igrejas mais luxuosas encontramos uma dezena de pedintes...
Por incrível que pareça, o caminho para o Vaticano seria o local ideal para elaborarmos um catálogo completo de pedintes. Lá, podemos encontrar  todo o tipo de "restos humanos", desde pessoas com tumores enormes, com membros amputados, a velhos e mulheres com crianças ao colo sob um sol abrasador, há de tudo...
Um muro alto separa o luxo extremo da "sede real da Igreja Católica" da realidade em que vivemos e separa-a efectivamente, pois o Império Católico não mostra a mais pequena sensibilidade sobre o que passa para além daquele muro...

Vaticano

A riqueza da Basílica de São Pedro choca, especialmente, perante o que temos que ver até lá chegar...
Se desprovêssemos a Basílica de São Pedro do ouro que a adorna (sem termos que ir buscar mais à imensa riqueza da Igreja) daria para acabar com a fome de muitas daquelas pessoas...
Claro, que não sou tão ingénua ao ponto de pensar que todos os pedintes que vimos na rua são pessoas com uma verdadeira necessidade de mendigar. No entanto, acredito que muitos casos são, realmente, de extrema pobreza...
E fico impressionada, indignada (e mais umas tantas outras coisas acabadas em ada, como por exemplo, lixada), quando vejo entidades tão poderosas como a Igreja Católica, que se dizem bondosas e altruístas, a fazerem praticamente nada para combater a fome no mundo e a ostentarem tanto luxo e riqueza!

Basílica de São Pedro (interior)
Para entrarmos na Basílica de São Pedro, temos que tampar os ombros e as pernas. Eu, por saber disto,  levei uma écharpe grande para me tapar...
Antes de entrarmos o pai do J. criticou o facto de eu a usar. Ele achava que era uma parvoíce e que eu não devia fazê-lo, se não concordava com isso. Ao contrário dele, eu acho que, quando queremos entrar na toca do lobo, devemos vestir a pele do lobo e não a do cordeiro, para evitar que sejamos comidos.
Foi o que fiz e confesso que foi um acto um pouco hipócrita da minha parte, mas a minha hipocrisia não é nada se a compararmos com a do Vaticano que rodeia um local, que deveria ser de culto, com artigos de merchandising para engrossar a, já enorme, fortuna do Vaticano. Se somarmos a isto, as caixas de esmolas e as velas de moedinhas, conseguimos, então, compreender melhor a imensa importância que a Igreja dá a fazer dinheiro. Dinheiro este que não é só usado para ajudar os pobres, mas especialmente para encher os  próprios bolsos.

Esta nossa estadia em Roma, no fundo, serviu para o meu filho perceber que o mundo está cheio de desigualdades e que para existirem igrejas cheias de ouro, tem que existir muita gente com fome...
Ele zangou-se comigo, várias vezes, por eu não dar esmola a todas as pessoas que vimos a pedir, mas como eu sou egoísta, prefiro guardar algum dinheiro para poder viajar e mostrar-lhe as coisas boas, mas também as más deste mundo e, com isto, contribuir para fazer dele uma pessoa um bocadinho melhor por estar alerta para a realidade, por mais dura que esta possa parecer...


Comentários

  1. Mammy,
    também já estive em Roma e claro no Vaticano. Concordo contigo quando falas na hipocrisia. Vi várias pessoas a ficarem do lado de fora, porque iam de calções ou de alças.
    Em relação à fortuna que existe no Vaticano, basta pensar no museu, todas aquelas obras de arte... Mas apesar de tudo adorei Roma e penso voltar.
    Bj**

    ResponderEliminar
  2. Mammy, eu estive em Roma em 1995 e nessa altura visitei a Basílica de S. Pedro, e assim que lá entrei senti um arrepio na espinha, como se tivesse ouvido os gritos agonizantes de pessoas a serem torturadas... depois entrei na Sala do Tesouro do Vaticano (não sei se visitaste...) onde vi com estes olhos ouro e pedrarias suficientes para matar a fome ao mundo 50 vezes!
    Nessa altura era católica praticante e o local onde me senti mais em paz não foi no Vaticano, pelo contrário! Pus todos os valores católicos em causa... onde me senti em paz foi nas catacumbas de S. Calisto, onde enterraram os cristãos fugidos ao Império Romano.
    Hoje em dia não vou à Igreja, porque acho que respeitar os ensinamentos de Deus é praticar, com pequenos gestos, dando comida a quem tem fome, ajudando quem precisa. E não é ir ouvir sermões de quem não sabe o que é a vida... e além disso, há muita gente que se diz católica e temente a Deus, que bate no peito a clamar que é muito religioso, mas não tem a capacidade de dar um prato de comida a quem tem fome!

    ResponderEliminar
  3. Naná,
    Sinceramente, não te sei dizer se visitei a Sala do Tesouro do Vaticano... Se se pagava mais para lá entrar, não devo ter visitado...
    Fui ao museu e tudo o que tinha um pagamentozinho extra recusei entrar...
    Eu não sou católica e não acredito em Deus, mas respeito quem acredita e quem é religioso, porque acho que as religiões devem servir para dar força às pessoas e para as educar no sentido de as fazer respeitarem-se mutuamente.
    No entanto, não consigo ver a Igreja Católica como um exemplo a seguir, acho-a demasiado hipócrita, vejo-a como uma forma de manipulação de massas e não de educação e isso entristece-me, pois alguns dos princípios da religião são positivos e tenho pena que não sejam seguidos nem pela própria Igreja...
    Bjs

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Vá lá, digam qualquer coisinha...
...por mais tramada que seja...

Mensagens populares deste blogue

Vejam só o que encontrei!

Resumindo :  Licenciatura em marketing (um profissional certificado); Gosto pela área comercial (amor cego que se venda barato);  De preferência, recém-licenciado (cabeça fresquinha e sem manhas); Com vontade de aprender (que aceite, feliz, todas as "óptimas" condições de trabalho que lhe oferecem, porque os ensinamentos não têm preço); Disponibilidade imediata (já a sair de casa e a arregaçar as mangas);  Carta de condução (vai de carro e não seguro, como a Leonor descalça do Camões);  Oito horas de trabalho por dia e não por noite (muito tempo luminoso para aprender, sem necessidade de acender velas). Tudo isto, a troco de: Um contrato a termo incerto (um trabalho p'rá vida); 550€ / mês de salário negociável (uma fortuna que pode ser negociável, caso o candidato seja um ingrato); Refeições incluídas (é melhor comer bem durante as horas de serviço, porque vai passar muita fominha a partir daquela hora do dia em que tiver de

Apneia

 Sempre esta coisa da escrita... De há uns anos para cá tornou-se uma necessidade como respirar. Tenho estado em apneia, eu sei. Não só, mas também, porque veio a depressão. Veio, assim, de mansinho, como que para não se fazer notar, instalando-se cá dentro (e cá fora). Começou por me devorar as entranhas qual parasita. Minou-me o corpo e o cérebro, sorvendo-me os neurónios e comendo-me as ideias, a criatividade e a imaginação. Invadiu-me a mente e instalou pensamentos neuróticos, medos, temores, terrores até. Fiquei simultaneamente cheia e vazia. E a vontade de me evaporar preencheu-me por completo, não deixando espaço para mais nada. Não escrevia há meses. Sinto-lhe a falta todos os dias. Mas havia (há) um medo tão grande de começar e só sair merda. E, no entanto, cá estou eu a escrever de novo. Mesmo que merda, a caneta deslizou sobre o papel e, agora, os dedos saltam de tecla em tecla como se daqui nunca tivessem saído. O olhar segue os gatafunhos, o pensamento destrinça frases e e

Dos blogues

DAQUI Comecei isto dos blogues faz tempo. Mais precisamente em 2011. Faz tanto tempo que este menino aqui já completou cinco anos em Agosto. Há cinco anos e picos que venho para aqui arrotar as minhas postas de pescada. Primeiro, em núpcias das delícias da maternidade; depois confrontada com o fim das núpcias; hoje, com a consciência de que a maternidade se expande por tudo o que é lado da vida da gente. Nunca, mas mesmo nunca, tentei tornar este blogue num lugar cuchi-cuchi, fofinho e queridinho. Este lugar não é de todo fofinho. Não há por aqui adoçantes da vida, nem marcas a embelezar o que se passa por dentro e por fora da minha experiência enquanto mãe, ou enquanto pessoa, ou até mesmo a comandar o que escrevo. Não me deixo limitar por "politicamente correctos" ou estereótipos que atentem contra a minha liberdade na escrita. Escrevo o que me dá na real gana, quando me dá na real gana. Em tempos, cheguei a ter por aqui uma publicidade, mas nada que me prendesse

Tenho uma tatuagem no meio do peito

Ontem, no elevador, olhei ao espelho o meu peito que espreitava pelo decote em bico da camisola, e vi-a. "Tenho uma tatuagem no meio do peito", pensei. Geralmente, não a vejo. Faz parte de mim, há dez anos, aquele pontinho meio azulado. Já quase invisível aos meus olhos, pelo contrário, ontem, olhei-a com atenção, porque o tempo já me separa do dia em que ma fizeram e me deixa olhá-la sem ressentimentos. À tatuagem como à cicatriz que trago no pescoço. A cicatriz foi para tirar o gânglio que confirmou o linfoma. Lembro-me do médico me dizer "vamos fazer uma cicatriz bonitinha. Ainda é nova e vamos conseguir escondê-la na dobra do pescoço. Vai ver que quase não se vai notar". Naquela altura pouco me importava se se ia notar. Entreguei o meu corpo aos médicos como o entrego ao meu homem quando fazemos amor. "Façam o que quiserem desde que me mantenham viva", pensava. "Cortem e cosam à vontade! Que interessa a estética de um corpo se ele está a morrer

Adolescência e liberdade

Os casos de adolescentes que se agridem têm inundado a comunicação social. Ora os irmãos, filhos de um embaixador, que espancaram um rapaz de 15 anos; ora o rapaz de 16 anos que espancou outro de 14 até à morte. Para a comunicação social, estes casos são "doces". Geram polémica, opiniões controversas, ódios e amores e duram, duram, gerando imensos artigos com informações e contra-informações. O primeiro caso, conhecido por "caso dos irmãos iraquianos" pode ter "origens xenófobas", diz-se por aí. A verdade é que se não teve "origens xenófobas" pode vir a ter "fins xenófobos". O facto de se sublinhar que os gémeos são iraquianos na divulgação das notícias sobre este caso está a abrir caminho para potenciar ódios de cariz xenófobo. A opinião pública revolta-se contra os agressores, que não tendo desculpa pelas agressões, seja qual for a origem destas, relacionam-nos com a sua nacionalidade. "Ah e tal, são iraquianos!"; "E