Já tive vários vizinhos no andar de baixo. Ao longo dos anos, vão mudando. Não conheço a maioria, mas não sei se por sorte ou azar, a casa tem sempre um morador pequenino que frequenta o 5º ou 6º ano. Sei isto, porque os ouço tocar flauta antes das aulas de Educação Musical. Todos eles ensaiam a musiquita antes de irem para a aula, ou seja, por volta das 7h-8h da manhã. Acordo a essa hora - quer queira, quer não - com um som desafinado em compasso vagaroso e estridente. Por isso e porque detesto acordar antes de querer acordar, tenho várias questões quanto à insistência de se ensinarem as criancinhas a tocar flauta nas aulas Educação Musical: 1- Por que raio as aulas de Educação Musical são sempre na primeira hora da manhã? 2- Por que ainda se insiste em ensinar as crianças a tocarem um instrumento como a flauta que não é nada agradável de ouvir? 3- Por que os ensinam a tocar um instrumento, no qual nunca mais vão tocar, ouvir ou sequer tirar da gaveta, após estes dois anos lectivos?
Há uma imagem que me acompanha há muitos anos. Vejo fios de luz que saem pelos buraquinhos dos estores meio corridos. Cheira a colchão forrado a plástico. Plástico lavado várias vezes, mas ainda com um leve cheiro a urina de criança. É hora da sesta e estou na sala dos quatro ou cinco anos no infantário. Várias vezes, quando fecho os olhos, vejo isto e sinto um misto de nostalgia e liberdade. A sensação é prazerosa e assemelha-se a um regresso ao ventre materno. É como se ainda estivesse ali, como se nunca tivesse saído dali. A minha essência talvez ainda por ali more, talvez tenha ficado por lá ou nunca tenha de lá saído. Dali e da casa da minha bisavó. Onde estou com ela, com a minha tia-avó e com a Amélia. O cheiro aqui é a café acabado de fazer na antiga cafeteira e a sabonete "Feno de Portugal". A minha bisavó velhinha está junto à lareira - não em frente, porque faz muito calor, mas ao lado da lareira para não se constipar - faz fatinhos de malha a uma só agulha para