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A "panne"

Era tarde. Os candeeiros altos com luzes amarelas iluminavam a rua. De tempos a tempos, um carro aparecia devagar. Rodava a uns 30 km/h para parar e fazer inversão de marcha.

Ela esperava dentro de um Volkswagen amarelo. Estava sentada ao volante com a cabeça encostada à cabeceira do banco. Quase não se movia, apenas oscilando o olhar entre um novo carro que se aproximava e o vazio. Olhava o carro e voltava a encostar-se como se a espera não pudesse ser interrompida. Nem o movimento junto ao Honda cinzento lhe quebrou a serenidade. Conferia os automóveis que chegavam e marcavam o prolongamento da sua espera.
Nada havia que a inquietasse. Trazia a tranquilidade aos ombros que a prendia ao banco e a mantinha impávida.

As pessoas do Honda falavam alto e gesticulavam. O carro tinha empanado e não conseguiam fazê-lo voltar a mover-se.
Eram três. Dois homens e uma mulher. Ela, no lugar do condutor, rodava a chave e carregava no acelerador, enquanto eles, decididos e enérgicos, empurravam o veículo. Mas nada, o bicho não havia maneira de voltar a andar.
Faziam barulho e praguejavam e a mulher do Volkswagen nada, como o Honda. Só os carros que apareciam de vez em quando a faziam dar sinais de vida.

Ao fim de quinze minutos de empurrões inúteis, o Honda roncou e, num solavanco, pôs-se em marcha com os dois homens a correr-lhe atrás.

Mal o Honda traçou a linha do horizonte, a mulher do carro amarelo ergueu a cabeça, rodou a chave e partiu.

Foi-se a serenidade e a espera.

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