Às vezes vem-me à cabeça aquela tua história do assalto... Aquela parte em que dizias:
- E ele perguntou-me "é aqui a casa do Neto?". E eu respondi-lhe "Casa do Neto? Oh não, o senhor está enganado, aqui não é a casa do Neto!" e conduzi-o para a porta.
Lembro-me bem da tua expressão e de como sorríamos quando contavas a tua façanha, reforçando como soubeste ser inteligente e manter a cabeça fria numa altura como aquela. E repetias:
- "É aqui a casa do Neto?, Oh não, o senhor está enganado, aqui não é a casa do Neto!" - e rias, e nós ríamos contigo.
- E depois disse-lhe como se soubesse muito bem quem era o tal Neto "O senhor vai até lá ao fundo e depois vira à esquerda. A casa do Neto é mesmo ali" - contavas como tinhas enganado tão bem o ladrão, enquanto o punhas fora de casa. E continuavas - E ele saiu. Quando o vi fora de casa nem queria acreditar como tive coragem para fazer aquilo! Ele era muito maior do que eu, se quisesse dava-me uma pantufada e eu ficava ali estendida no chão!
E nós sentíamos orgulho em ti... Uma velhota como tu, tão pequenina, magrinha e frágil, conseguiu pôr um ladrão fora de casa quase sem ele se aperceber que estava a ser delicadamente expulso e tão bem enganado.
- Ele deve ter pensado "a velhota está maluca, de certeza!" Ah ah ah! - rias da estupidez do ladrão e da tua esperteza em fazeres-te passar por maluca.
Contaste-nos esta história tantas vezes que já quase a sabíamos de cor. Contava-la como se fosse a primeira vez e nós ouviamo-la como se fosse a primeira vez. Era uma espécie de acordo sem que tivéssemos combinado nada. Até o J. gostava de ouvir a história do ladrão... Dizias-lhe:
- Gostas, J.? Gostas de ouvir a tizinha contar a história de como pôs o ladrão na rua? - e seguravas-lhes o rosto entre as mãos para lhe dares um beijo na face. Ele franzia-se todo com o teu beijo inesperado e dizia-te que sim para ficares contente. Mesmo já sabendo a história, não se importava de a volta a ouvir. E nós também não. Sabia-nos bem ver o teu entusiasmo a contar a história e gostávamos de nos rirmos contigo. Sabes, sentia um verdadeiro orgulho em ti? Foste mesmo uma velhota valente! Ainda me pergunto como conseguiste continuar a viver ali, naquela casa isolada, sozinha, depois do ladrão lá ter entrado. Nem toda a gente que teria a tua coragem. Podes ter a certeza que não!
Gostava de te voltar a ouvir contar a história do ladrão...
Tenho saudades tuas, sabes?
Fazes-me falta!
se repetires muitas vezes, aposto que quase acreditas que te a está a contar ao ouvido
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