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Mensagens

A mostrar mensagens de dezembro, 2015

Fumar um cigarro à janela das lembranças

Tenho mortos que não morrem. Ficam para sempre comigo. Vou visitá-los às memórias, como quem vai à gaveta das recordações. Quando tenho saudades, abro a janela das lembranças e visito-os dentro da minha cabeça. Os meus mortos não me são necessariamente próximos. Alguns nunca mais vi. Seguiram vidas longe e perdi-lhes o rasto até saber que morreram. Mas sabia-os lá, em qualquer sítio, e isso chegava-me. Depois morreram e começaram a fazer-me muita falta. O lugar que lhes tinha destinado dentro de mim teve de mudar repentinamente. Da lembrança suave e sossegada passei-os para um quarto de memórias cheio de vazios. Cheio de vazios... Custa-me mantê-los aqui, porque o espaço se torna demasiado grande e as recordações repletas de histórias e vida passam a ficar cheias de vazios. Há bocados que lhes faltam, porque há pessoas a menos.  Tento constantemente ocupar os espaços em branco com os meus mortos, construindo segmentos das suas vidas em mim, numa tentativa vã de os ressuscitar. C

Hoje, véspera de Natal, penso...

Hoje, véspera de Natal, não penso no David Duarte que, com apenas 29 anos, morreu num hospital sem a assistência médica devida por conta das poupanças de um Ministério da Saúde doente.  Não penso nele, porque sei que deve ter imensa gente que o ama e que não o vai esquecer neste dia, nem nos próximos. Penso antes em quem comandou esse ministério durante anos e o tornou no que é hoje, um ministério doente. Penso nesse ministro que deve passar a consoada em família, com uma mesa farta em bacalhau, peru e doçaria tradicional, mas sem um pingo de amor ao próximo. Penso na consciência desse homem que, cada vez que der uma dentada num sonho, se poderá lembrar que os sonhos do David já não se irão realizar por sua culpa; que o David já não tem mais sonhos porque ele, ministro da saúde, decidiu gerir a saúde como quem gere uma empresa, sem pensar que o negócio aqui é a vida das pessoas, e não acções ou títulos bancários.  Foi a vida do David, tal como a de tantos outros doentes, que and

Feliz Natal!

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Porra!

A conversa vem, assim, a propósito de nada. Saem-nos palavras que dirigimos um ao outro. Gosto de falar com ele... Conversamos sobre tudo. Ou sobre nada.  Malucamos. Sinto-me rejuvenescer cada vez que maluco com ele. Brincamos parvoíces. Ele diz um disparate e eu digo outro. Para ser sincera, eu digo mais disparates do que ele.  Às vezes, quer-me parar.  - Mãe, pára com isso! E eu não paro. E ele rir-se e acrescenta parvoíces ao que digo.  Tem um humor acutilante. Sai ao pai. Como gosto de ver nele aquilo que me encanta no pai. "Que bom ter herdado esta parte", penso. E é inteligente nas piadas. Porra, como é inteligente nas piadas! E não é só nas piadas. Porra, como é inteligente em tudo! E desce-me um arrepio na espinha. Porra, como o acho tão perfeito! E sei que não é, mas sinto-o perfeito na mesma. E o arrepio trepa-me a espinha. Morro de medo que lhe aconteça alguma coisa. Morro de medo.  E acho que a perfeição não existe, mas está nele. Morro de medo que

Instantes de nós

Nos dias que passam sem que nos apercebamos, fica na quietude dos momentos bocados de nós. Deixamos para trás pedaços do que fomos a cada instante que teimamos viver com afinco. Como se em páginas de livros deixássemos escrito aquilo que não somos porque nos transformámos noutros. Cada segundo, cada milésimo de segundo, fomos e não voltaremos a ser. Se há quem nos entre vida adentro e nos construa com a sua presença, há também quem se vá e leve consigo a história da gente.