De pasta de cabedal a tira-colo, Luís faz todos os dias o caminho para o call-center. Num passo decidido e forçado, segue para mais um dia de chamadas telefónicas.
Mal chega, repete o ritual diário. Senta-se na pequena secretária, por onde tem de puxar a perna com a mão para a conseguir encaixar debaixo da mesa, espalha pela secretária alguns pertences de forma meticulosamente ordenada: a caneta, o minúsculo bloco de notas, os óculos de ver ao perto. Por fim, coloca os auscultadores nos ouvidos com cerimoniosa concentração.
- Estou a falar da empresa X e o meu nome é Luís!
Enquanto tenta convencer os clientes que aquele é o melhor pacote de telefone, televisão, Internet e telemóveis, Luís imagina os átomos e as moléculas que anteriormente estudava a formar combinações químicas inusitadas dentro do cérebro dos seus interlocutores.
Antes de ter sido despedido, Luís liderava uma equipa que estudava as reacções químicas no cérebro dos doentes de Alzheimer.
Quando lhe disseram "Luís, acabou-se o subsídio do Estado para este projecto. Não há mais fundos que o continuem a financiar. Vamos ter de ficar por aqui." caiu-lhe tudo ao chão.
O estômago foi o primeiro. Correu para a casa-de-banho e despejou tudo o que tinha comido ao almoço sanita adentro. Depois vieram as lágrimas que lhe saltaram dos olhos como se se quisessem atirar de uma ponte abaixo. As mãos tremiam-lhe como doidas e a boca desenhava um "quinze anos nisto para acabar assim" silencioso.
Luís sempre tinha vivido no meio de moléculas, átomos, protões, electrões e todas essas partículas que tanto estudou. Tirarem-lhe a química era enfiarem-lhe a vida num tubo de ensaio, aquecerem-na numa lamparina e fazerem-na explodir.
E foi isso mesmo que fizeram, quando lhe entregaram a carta de despedimento.
Durante uns meses, andou a bater mal. Pensou em acabar com a vida várias vezes. Numa delas, chegou a pendurar uma corda nas traves do tecto do sótão, mas a mulher apanhou-o pendurado no banco a ajeitar a corda e fê-lo jurar que não colocaria aquela gravata e a abandonaria no meio de tanta aflição.
A partir desse dia, decidiu que, já que não se podia matar, iria tentar arranjar um trabalho. Sem átomos ou moléculas, mas com um salário ao fim do mês.
- Estou a falar da empresa X e o meu nome é Luís!
Arranjou-o ali, num call center. No meio de colegas com vinte e poucos anos, Luís entregou-se a fazer telefonemas a gente que não está para o ouvir, a troco de umas moedinhas que dão para comprar qualquer coisa que comer até ao dia vinte de cada mês. A partir daí, a mulher faz umas invenções culinárias para chegarem vivos aos dias trinta.
- Estou a falar da empresa X e o meu nome é Luís!
Mas nem só os seus colegas são miúdos, os chefes também ainda estão a maturar. Especialmente aquela coordenadora que o persegue e fica a ver se há algo que o distraia da exímia tarefa de telefonar. Sempre que lhe nota alguma desatenção faz questão de o chamar:
- Luís, está a pensar em quê? Faça já outro telefonema! Não há tempo para ficar a pensar!
Ao mesmo tempo que marca mais um número, (só para contrariar a coordenadora) fica a pensar na frase "não há tempo para ficar a pensar". E não há.
Se dantes lhe pagavam para pensar, agora pagam-lhe para não o fazer. A verdade, é que lhe pagam menos, o que quer dizer que os seus raciocínios anteriores eram mais valiosos do que o seu, agora, vazio mental.
Perante tamanha ausência química, e quiçá física, Luís sabe que se ainda procura O2 em cada inspiração, se deve precisamente a isso, à consciência do valor da sua insaciável mente.
- Estou a falar da empresa X e o meu nome é Luís!
Mal chega, repete o ritual diário. Senta-se na pequena secretária, por onde tem de puxar a perna com a mão para a conseguir encaixar debaixo da mesa, espalha pela secretária alguns pertences de forma meticulosamente ordenada: a caneta, o minúsculo bloco de notas, os óculos de ver ao perto. Por fim, coloca os auscultadores nos ouvidos com cerimoniosa concentração.
- Estou a falar da empresa X e o meu nome é Luís!
Enquanto tenta convencer os clientes que aquele é o melhor pacote de telefone, televisão, Internet e telemóveis, Luís imagina os átomos e as moléculas que anteriormente estudava a formar combinações químicas inusitadas dentro do cérebro dos seus interlocutores.
Antes de ter sido despedido, Luís liderava uma equipa que estudava as reacções químicas no cérebro dos doentes de Alzheimer.
Quando lhe disseram "Luís, acabou-se o subsídio do Estado para este projecto. Não há mais fundos que o continuem a financiar. Vamos ter de ficar por aqui." caiu-lhe tudo ao chão.
O estômago foi o primeiro. Correu para a casa-de-banho e despejou tudo o que tinha comido ao almoço sanita adentro. Depois vieram as lágrimas que lhe saltaram dos olhos como se se quisessem atirar de uma ponte abaixo. As mãos tremiam-lhe como doidas e a boca desenhava um "quinze anos nisto para acabar assim" silencioso.
Luís sempre tinha vivido no meio de moléculas, átomos, protões, electrões e todas essas partículas que tanto estudou. Tirarem-lhe a química era enfiarem-lhe a vida num tubo de ensaio, aquecerem-na numa lamparina e fazerem-na explodir.
E foi isso mesmo que fizeram, quando lhe entregaram a carta de despedimento.
Durante uns meses, andou a bater mal. Pensou em acabar com a vida várias vezes. Numa delas, chegou a pendurar uma corda nas traves do tecto do sótão, mas a mulher apanhou-o pendurado no banco a ajeitar a corda e fê-lo jurar que não colocaria aquela gravata e a abandonaria no meio de tanta aflição.
A partir desse dia, decidiu que, já que não se podia matar, iria tentar arranjar um trabalho. Sem átomos ou moléculas, mas com um salário ao fim do mês.
- Estou a falar da empresa X e o meu nome é Luís!
Arranjou-o ali, num call center. No meio de colegas com vinte e poucos anos, Luís entregou-se a fazer telefonemas a gente que não está para o ouvir, a troco de umas moedinhas que dão para comprar qualquer coisa que comer até ao dia vinte de cada mês. A partir daí, a mulher faz umas invenções culinárias para chegarem vivos aos dias trinta.
- Estou a falar da empresa X e o meu nome é Luís!
Mas nem só os seus colegas são miúdos, os chefes também ainda estão a maturar. Especialmente aquela coordenadora que o persegue e fica a ver se há algo que o distraia da exímia tarefa de telefonar. Sempre que lhe nota alguma desatenção faz questão de o chamar:
- Luís, está a pensar em quê? Faça já outro telefonema! Não há tempo para ficar a pensar!
Ao mesmo tempo que marca mais um número, (só para contrariar a coordenadora) fica a pensar na frase "não há tempo para ficar a pensar". E não há.
Se dantes lhe pagavam para pensar, agora pagam-lhe para não o fazer. A verdade, é que lhe pagam menos, o que quer dizer que os seus raciocínios anteriores eram mais valiosos do que o seu, agora, vazio mental.
Perante tamanha ausência química, e quiçá física, Luís sabe que se ainda procura O2 em cada inspiração, se deve precisamente a isso, à consciência do valor da sua insaciável mente.
- Estou a falar da empresa X e o meu nome é Luís!
Dá um nó no estomoga ler e ouvir relatos desses.
ResponderEliminarAo que chegou o nosso pais.
Beijinhos